Pular para o conteúdo principal
A resposta de Obama ao Bonner da Fox
"A
isenção parece não representar mais um valor passível sequer de ser
simulado pelo maior oligopólio midiático, que se arroga o papel de um
poder moderador.
Há alguma coisa de profundamente errado com a
liberdade de expressão num país quando, a cada escrutínio eleitoral, a
maior preocupação de uma parte da opinião pública e dos partidos, do
início ao fim da campanha, não é propriamente com o debate de ideias,
mas com o impacto da ‘emboscada midiática’.
Não se duvida de que ela virá.
Apenas
se especula como e com que intensidade a maior emissora de televisão do
país --seus satélites e assemelhados-- agirá na tentativa de raptar o
discernimento do eleitor, sobrepondo-lhe denúncias, recortes e
interditos da exclusiva conveniência dos interesses que vocaliza.
Carta
Maior já disse algo parecido na eleição de 2012, na de 2010 e na de
2006; outros veículos e blogs fizeram o mesmo, assim também como muitos
advertiram em 2002 e 1989...
Infelizmente,
depois da ‘entrevista’ a que foi submetida a Presidenta Dilma no Jornal
Nacional, nesta 2ª feira, não há motivo para não reiterar a mesma
assertiva na forma e no conteúdo.
A
novidade é a radicalização observada, inversamente proporcional à
capacidade conservadora de oferecer um projeto alternativo a à sociedade
que não se magnetize em torno da palavra arrocho.
Hoje isso é mais ostensivo do que em 2010.
Abre-se
assim uma etapa de viva transparência; um embate bruto em que a mídia
dominante não consegue dissimular as consequências daquilo que a define.
Tampouco
parece ter pejo em descartar uma isenção – a rigor nunca praticada--
mas da qual sempre se avocou em guardiã, para sonegar pertinência à
democratização estrutural dos meios de comunicação.
A
isenção parece, enfim, não representar mais um valor passível sequer de
ser simulado por quem se arroga o papel de um poder moderador acima da
sociedade.
Caricaturas de um
oligopólio que não pretende debater, nem informar, mas apenas veicular a
agenda conservadora, Willian Bonner e Patrícia Poeta deram inestimável
contribuição a esse enredo nesta 2ª feira.
A
forma amadora, sôfrega e abusada com que se dirigiram à Presidenta
Dilma evidenciou a urgente necessidade de uma regulação da mídia no
país.
A colisão entre o ritual
democrático e a usurpação da vontade do eleitor por um interdito que se
pronuncia de véspera e assim persiste até a boca da urna acompanha o
calendário político brasileiro desde o fim da ditadura.
É como se o país sofresse de uma doença maligna que trocou a farda pela recidiva midiática.
A
evidência mais grave dessa anomalia é que todos sabem de que garrote
vil se fala, qual o intento do poder retratado e que interesses ele
dissemina.
Não precisar nominá-lo é pouco menos que a tragédia na vida de uma Nação -- já se disse mais de uma vez neste espaço.
O espetáculo encenado pela dupla Bonner e Poeta reitera a maleita de pontualidade afiada.
É
a confirmação do poder paralelo asfixiante, ubíquo, previsível e
consentido que impõe sua tutela ao voto graças a um arsenal composto de
26 canais de televisão, dezenas de rádios, jornal impresso, editora,
produção de cinema, vídeo, internet e distribuição de sinal e dados.
Tudo regado por uma hegemônica participação no mercado publicitário.
Inclusive de verbas públicas.
Não há nessa constatação qualquer traço de fobia persecutória.
O que há são antecedentes.
Abundantes. Dotados de uma regularidade e arrojo tais que justificam o uso da palavra escárnio à cínica tentativa de negá-los.
Mencione-
se apenas a título ilustrativo três assaltos ao território que deveria
ser inviolável, e pelo qual muitos lutaram e não poucos morreram para
que fosse assim.
Em 1982, a
Rede Globo e o jornal O Globo arquitetaram um sistema paralelo de
apuração de votos nas eleições estaduais do Rio de Janeiro.
Leonel
Brizola era favorito, mas o candidato das Organizações Globo, Moreira
Franco, recebera privilégios de cobertura e genuflexão conhecidos.
Os sinais antecipavam o estupro em marcha.
E
ele veio na forma de um contagem paralela contratada pela Globo , a
privilegiar colégios do interior, onde Moreira Fraco liderava. O intuito
sibilino era criar um ‘consenso’ receptivo a acertos espúrios.
A
violação só não se consumou porque Brizola recusou o papel de hímen
complacente. Ao reagir convocou a imprensa internacional, denunciou o
golpe em marcha e brigou pelo seu mandato. Em entrevista histórica –ao
vivo, por sua arguta exigência--, Brizola denunciou a manobra da Globo
falando à população através das câmeras da própria emissora.
Venceu por uma margem de 4 pontos.
Em 1983, os comícios contra a ditadura e por
eleições diretas arrastavam multidões às ruas e grandes praças do país.
A Rede Globo boicotou a irrupção democrática o quanto pode.
O
Brasil retratado em seu noticioso era um lago suíço de resignação, até
que no dia 25 de janeiro de 1984, aniversário da cidade São Paulo, um
comício monstro tomou a praça da Sé, na capital paulista.
Mais de 300 mil vozes exigiam democracia e cobravam eleições.
A
direção editorial do grupo que hoje é um dos mais aguerridos centuriões
da liberdade na Argentina, Venezuela e outros pagos ‘populistas’, abriu
espaço então no JN para uma reportagem .
Estava
em causa, de um lado, a democracia, de outro, a continuidade da
ditadura. Não para a escalada do JN, que associou a multidão na praça da
Sé a ‘um show em comemoração aos 430 anos da cidade’.
Em
1989, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de
Mello realizariam o debate final de uma disputa acirrada e histórica:
era o primeiro pleito presidencial a consolidar o fim da ditadura
militar. Collor tinha uma vantagem de margem de erro sobre um Lula
ascendente.
A Globo editou o
debate duas vezes. Até deixá-lo ‘ao dente’, para ser exibido no Jornal
Nacional: Collor teve um minuto e oito segundos a mais que Lula; as
falas do petista foram escolhidas entre as suas intervenções mais
fracas; as do oponente, entre as suas melhores.
São
amplamente conhecidas as reiterações desse ‘método jornalístico’ em
2002, 2005, 2006, 2010 e 2012 para que se possa dar o benefício do ponto
fora da curva ao desempenho de Bonner e Poeta.
Eles são própria curva.
A
histórica obra de construção de uma democracia social no país, iniciada
por Lula, e continuada por Dilma, não avançará nos próximos quatro anos
, como se pretende, sob o poder ilegítimo de veto que o dispositivo
midiático desfruta no Brasil.
A
dois meses da urna não há espaço hábil para se redimir o tempo perdido
com um aggiornamento regulatório da comunicação audiovisual .
Mas
a campanha progressista não pode omitir o tema em sua agenda, sob o
risco de não ter mais o direito de escandalizar-se com o que já ocorreu,
e ainda ocorrerá, até as urnas de outubro.
Supor indulgência, em troca de silencio, é creditar ao pescoço a responsabilidade de afrouxar a corda do enforcado.
O dedos em riste de Bonner e Poeta não autorizam ilusões.
Nem o lhano Barack Obama silenciou diante de um cerco de abrangência talvez até mais modesto.
Na
verdade, uma das denúncias mais duras da decadência dos princípios
liberais na mídia partiu justamente dos porta-vozes do democrata.
E ela se ajusta na medida ao que se passa no Brasil.
Em 2009, Anita Dunn, Diretora de
Comunicações de Obama e David Axelrod, principal assessor de
comunicação, assim se referiram à rede Fox, do direitista Rupert
Murdoch, ferrenho opositor de Obama:
‘A
rede Fox está em guerra contra Barack Obama (…) não precisamos fingir
que o modo como essa organização trabalha é jornalístico. Quando o
presidente fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente
dita. O presidente já sabe que estará debatendo com um partido da
oposição’, resumiu a atilada Diretora de Comunicações da Casa Branca.
Numa escalada de entrevistas e disparos cuidadosamente arquitetados,
Dunn e Axelrod falaram alternadamente a diferentes segmentos midiáticos
de todo o país. E o fizeram com o mesmo propósito: dar o nome aos bois e
assim qualificar o sentido do cerco em torno de Obama.
‘Mr.
Rupert Murdoch tem talento para fazer dinheiro, e eu entendo que sua
programação é voltada a fazer dinheiro. Só o que argumentamos é que
[seus veículos] não são um canal de notícias de verdade. Não só os
âncoras, mas a programação toda. Não é notícia de verdade, mas é a
pregação de um ponto de vista. E nós vamos tratá-los assim’, bateu
Axelrod em seguida ao ataque de Anita Dunn.
Não
há muita diferença entre o que se passa nos EUA e a divisão de trabalho
observada no Brasil, onde as rádios chutam o governo petista abaixo da
linha da cintura; os jornalões dão ‘credibilidade’ à asfixia, enquanto a
rede Globo faz a edição final no JN, transformando o boa noite diário
da dupla Bonner e Poeta em uma espécie de ‘meus pêsames, brasileiros,
pelo governo que escolheram; não repitam isso em outubro próximo, OK?’.
É oportuno ressaltar, Barack Obama não delegou a tarefa de dar transparência a esse arsenal apenas aos assessores.
O
flexível democrata –não Chávez, não Cristina, não Correa-- comprou a
briga pessoalmente contra a Fox News e nem por isso deixou de ser
reeleito.
E o fez não apenas nos idos de 2009.
Mas desde 2009...
Em
janeiro deste ano, em entrevista que foi ao ar em horário nobre, antes
do Super Bowl, o mais importante evento esportivo do país, Obama –ao
vivo-- acusou novamente a emissora Fox News de manipular o noticiário
para inflamar a opinião pública contra o seu governo.
Repita-se:
Obama disse isso ao vivo ao âncora Bill O’Reilly , apresentador de um
dos programas mais populares do canal a cabo e autor de vários
best-sellers com críticas às políticas do Partido Democrata
norte-americano.
A seguir, trechos da inspiradora transparência adotada pelo democrata nessa ‘sabatina’ feita pelo golpismo midiático de lá.
Vale a pena ler de novo:
O’Reilly,
pergunta detalhes do plano de saúde compulsório aprovado por Obama no
Congresso e sugere que se trata do “maior erro de sua Presidência”.
Obama (sardônico) : ‘Bem, Bill, você mantém sempre uma longa lista dos meus erros como presidente, não é?’
O’Reilly
interrompe-o em seguida, várias vezes, quando Obama tentava explicar o
ataque armado à embaixada norte-americana em Bengazi, na Líbia, que
terminou com a morte do embaixador em setembro de 2012.
Obama: ‘… e eu estou tentando explicar a você — se você quiser ouvir’.
O’Reilly
afirma que muitos acreditavam que Obama tentara encobrir o caso Bengazi
em um momento em que estava em plena campanha pela reeleição.
Obama: ‘Eles acreditam nisso porque pessoas como você continuam a dizer a eles que foi isso que aconteceu.’
O’Reilly
muda de assunto e diz que as isenções de imposto de renda de Obama
discriminaram grupos à direita do Presidente. Em seguida dispara uma
denúncia de corrupção na Receita Federal dos EUA.
Obama:
‘Não houve nada disso; não foi isso que aconteceu. As pessoas puderam
ver isso claramente nas muitas audiências a respeito da questão no
Congresso’.
O’Reilly insiste com o clássico: ‘muitas pessoas continuam achando suspeita a situação, senhor Presidente’
Obama: ‘Esse tipo de coisa continua vindo à tona em parte por causa de você e sua rede de TV...’
O’Reilly corta; afirma que várias “perguntas continuavam sem resposta’; insiste na corrupção na Receita Federal.
Obama: ‘Estou lhe dizendo que não houve sequer corrupção; não houve nem mesmo uma migalha de corrupção’.
A entrevista foi encerrada."
Comentários