Mino Carta, CartaCapital
"Quando Fernando Henrique Cardoso e José Serra
formavam uma dupla de primeiríssimo plano na política brasileira,
quantas vezes um terá criticado comportamentos do outro em conversas
entre correligionários e amigos? E nem se diga de quando Serjão Mota
formava com eles uma trinca aguerrida... Serjão podia ser de fala muito
desabrida.
Há razões de sobra para crer que nem sempre foram ouvidas
referências suaves de um integrante da trinca em relação aos
companheiros. É do conhecimento até do mundo mineral que nem tudo correu
às mil maravilhas entre eles. Não recordo, porém, de ter lido menção a
respeito na mídia nativa. A qual neste exato instante relata críticas de
Lula à administração da presidenta Dilma, a insinuar alguma turbulência
entre os dois.
Dentro dos conformes, está claro. O verdadeiro partido de
oposição, nas páginas impressas, e pelo rádio e pela tevê, trata de
interpretar a contento o seu papel neste começo do ano eleitoral. É o
resultado de uma obsessão visceral, elevada à enésima potência em função
do tempo curto.
Não aludo aqui à verdade factual, que no caso desconheço.
Dou minha opinião. A partir da ideia de que certas palavras têm de ser
entendidas dentro das suas circunstâncias. Político sutil e muito
experiente, Lula sabe que mesmo as paredes têm ouvidos, e do febril
estado de prontidão da mídia. Talvez lhe convenha escolher melhor os
interlocutores. Talvez. Mas que tenha feito alguns reparos ao governo é
totalmente admissível, ao sabor de determinados introitos, no gênero
“Dilma deveria...” ou “Dilma poderia...”. No condicional. É o que acho,
honestamente.
Reparos corretos? Sim, no
meu entendimento. Dois pontos críticos são transparentes. Dificuldades
no Congresso, dificuldades com o empresariado. Desde seus tempos de
sindicalista, Lula é excepcional praticante do jogo político.
Contemporizador quando é preciso, certeiro na hora do ataque. Faltou a
Dilma Rousseff e ao seu governo fazer política no sentido da negociação
eficaz. Da busca, pelo diálogo, do entendimento sem imposições.
O Parlamento tornou-se terreno minado para o governo,
mesmo as bancadas petistas, esta é forte impressão, não se afinam com
Dilma. O Congresso brasileiro está longe, muito longe, de constituir um
poder exemplar. Poder é, entretanto, e ali se compõe a maioria
indispensável a quem governa. Os problemas na lida com esta maioria são
evidentes, além dos antigos, tradicionais, à luz de uma aliança ditada
por conveniências fisiológicas em lugar da coincidência de ideias e
princípios. É evidente, também, que não há alternativa à tentativa de
resolvê-los pelas sendas, às vezes tortuosas, da política, na sua
acepção mais imediatista.
O distanciamento entre o governo e os empresários
desfralda-se igual a bandeira ao vento. Nem todos os empresários, além
de cuidarem dos seus interesses, preocupam-se com os do País. Por outro
lado, é inegável que os responsáveis pela economia e pelo
desenvolvimento optaram às vezes por decisões apressadas, para não dizer
afoitas, de sorte a prejudicar este ou aquele empresário, em detrimento
não somente dele, mas também do próprio interesse nacional.
Lula teria dito que a atual equipe econômica governista
tem “prazo vencido”. Certo é que ela amiúde foi hesitante e que, em
geral, careceu de atitudes assertivas, enquanto sofremos como nunca as
consequências da crise mundial e ressurge o vezo verde-amarelo de
contribuir para a inflação à procura da ilusória sensação do bolso
cheio. Não é por acaso que o custo de vida aumenta e o Brasil se torna
um dos países mais caros do mundo, além do quarto mais desigual. Só não
entendo porque a presidenta se preocupa em afirmar que ninguém
conseguirá separá-la de Lula.'
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