"Insinuações e ironias de ministro do STF não tem apoio nos autos da AP 470
Paulo Moreira Leite, ISTOÉ
O esforço de Gilmar Mendes para tentar desmoralizar a campanha de solidariedade de tantos brasileiros aos condenados da AP 470 ajuda a entender o caráter precário do foi chamado de “maior julgamento da história.”
Ao sugerir que o
senador Eduardo Suplicy liderasse uma campanha para ressarcir “pelo
menos parte dos R$ 100 milhões subtraídos dos cofres públicos" no caso
do mensalão” Gilmar Mendes assume uma postura espantosa para um ministro
do STF.
Faz afirmações que não pode provar, insinua o que não consegue demonstrar.
A atitude de Gilmar é política.
As doações, em escala que surpreendeu
os próprios condenados, mostram o repúdio de um número crescente de
brasileiros diante dos abusos do julgamento.
Veja só: um ex-ministro do Supremo,
como Nelson Jobim -- um dos responsáveis pela indicaçao do próprio
Gilmar ao STF -, deu um cheque de R$ 10 000 para Genoíno. Celso Bandeira
de Mello, jurista de folha irretocável, que patrocinou a presença de
Ayres Britto na Corte, deu dinheiro para Genoíno e já disse que vai
contribuir para José Dirceu.
Ao lado de militantes e de cidadãos
comuns, a presença de respeitáveis homens de Direito na campanha pelas
doações mostra até onde vai a crítica a AP 470.
Não é para menos.
A ideia de que houve desvio de recursos públicos é desmentida pelo processo.
A noção que eles chegam a R$ 100 milhões não tem base real alguma. É apenas um novo chute.
Quando o julgamento
começou, os ministros falavam num desvio de R$ 115 milhões. Recuaram
sem maiores explicações para uma estimativa de R$ 73,8 com base num
cálculo desinformado, absurdo mas cômodo. Explico os três adjetivos.
Como esse foi o
total de gastos de recursos do Fundo de Incentivo Visanet com a agência
DNA naquele período, passou-se a uma crença absurda: de que 100% desse
dinheiro foi roubado, não sobrando um único centavozinho honesto para
ser gasto com publicidade de verdade. Nenhuma página de jornal, nem um
spot de rádio, nem 30 segundos na TV.
É claro que é uma conta de
chegar. Era preciso falar em desvio, era preciso dar um número –-
apontou-se para aquele que estava à mão. Parece absurdo e é. Mas
absurdos ganham verossimilhança e circulam como afirmações verdadeiras
em sociedades onde nenhuma instituição cumpre seu papel de fiscalizar e
conferir o que dizem as autoridades. Este papel, como se sabe, deve ser
cumprido pela imprensa. Mas você e eu sabemos muito bem onde os
repórteres se encontrava no julgamento, certo?
Numa prova de que são os
principais interessados em conferir gastos e e demonstrar o que foi
feito, os advogados da defesa acabam de enviar, às 20 maiores empresas
de comunicação do país, uma notificação judicial.
Solicitam apenas que elas confirmem – ou desmintam – aqueles recursos que a DNA declara ter enviado a elas.
Em novembro de 2005, os parlamentares da CPMI dos Correios receberam um documento “para uso interno – confidencial” da Visanet.
Os parlamentares perguntaram lá atrás:
“ A Visanet é uma empresa pública?
Resposta. “Não. É uma empresa de capital privado.”
Essa mesma afirmação foi
confirmada por uma auditoria do Banco Brasil, encerrada em dezembro do
mesmo ano. Ali se diz, com base no estatuto da Visanet, que seus
recursos deveriam ser destinados a ações de incentivo, “não pertencendo
os mesmos ao BB investimento nem ao Banco do Brasil.”
Se a denúncia de desvio de
dinheiro público está errada, como conceito, também se desmente, nos
números. As contas batem, com diferenças contábeis que podem ser
explicadas por razões técnicas – e que nem de longe chegam aos R$ 100
milhões a que Gilmar Mendes se referiu.
(Quantias nesse volume
gigantesco, e até maiores, foram mobilizadas por empresas privadas de
telefonia que eram clientes das agencias de Marcos Valério. Nenhuma
delas, por sinal, foi chamada a prestar contas no julgamento. Nenhuma.
Foi assim que se pretendia “ punir os poderosos” , entendeu?)
Por fim, a afirmação de que
foram dirigentes do PT que fizeram esses desvios é ainda mais absurda.
Não estou falando de Delúbio Soares, por exemplo, que distribuia
recursos para o partido e negociava apoio de empresas.
Estou falando de quem tinha acesso ao cofre. Sem ele nada se faz, certo?
Pode-se ler, no laudo 2828, uma
questão básica para se entender o papel do PT na denuncia de desvio de
recursos – públicos ou privados.
O relator Joaquim Barbosa
pergunta a quem “competia fazer o gerenciamento dos recursos” do Fundo
Visanet repassados a agencia DNA?
Em bom português, o relator
queria saber quem fazia os pagamentos – sem o quê, obviamente, não dá
para tirar nem uma nota de 1 real de forma indevida.
O Banco do Brasil responde:
quatro diretores eram responsáveis pela gestão do fundo de incentivo
entre 2001 e 2005. (Estamos falando dos dois últimos anos do governo
FHC, quando a DNA ganhou um bom pedaço da verba publicitária do Banco do
Brasil, e dos dois primeiros anos do governo Lula).
Em sua resposta ao relator, o
Banco do Brasil faz até um gráfico pequeno, com nomes e datas, para
ninguém ficar em dúvida. Até uma criança pode entender: nenhum dirigente
indicado pelo PT encontra-se entre eles. Os responsáveis eram todos
executivos indicados pelo PSDB. Está lá, numa tabela. Nenhum deles
sentou-se no banco dos réus. Repito porque é escandaloso: nenhum. Quem
asssinava os cheques ficou de fora. Eram afilhados tucanos.
Cabe a cada um fazer a pergunta
que não quer calar: por que o laudo 2828, com uma informação tão
preciosa, foi mantido em sigilo no próprio STF, e só foi distribuído
para o plenário de ministros DEPOIS que a denuncia da AP 470 já fora
aceita?
Minha opinião é a seguinte:
temia-se, em 2006, que o debate sobre informações inesperadas e
surpreendentes pudessem comprometer a denúncia e estragar o carnaval
cívico em torno do STF. Imagine se fosse possível criminalizar o
governo Lula -- até se falava em impeachment, em 2005 -- se a denúncia
envolvesse o PSDB, também. Imagine se alguém começasse a perguntar
assim: se haviam tucanos no comando do esquema, quem é que colocou essa
turma ali?
Política, meu caro. Política.
Foi a mesma atitude de 2011,
quando os ministros resolveram levar o julgamento em frente sem conhecer
o inquérito 2474, com revelações que contrariavam o final feliz já
anunciado e prometido. Veja você: desistiram de ler o inquerito 2474 sem
saber o que tinha lá dentro.
Não é de espantar
que, agora, se veja uma situação constrangedora e grave de um ministro
que faz afirmações que contrariam aquilo que se encontra no processo.
Ou Gilmar Mendes não sabe o que diz. Ou não diz o que sabe.
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