Pelo financiamento cidadão


Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação

O Supremo está julgando uma ação impetrada pela OAB e outros, na qual se pleiteia seja declarada inconstitucional a doação feita por empresas, e mesmo por pessoas físicas,   para campanhas eleitorais. Penso que, se decretada tal inconstitucionalidade – o que, parece, vai acontecer, pois 4 dos 11 juízes já votaram nesse sentido - , estaremos dando significativos passos no sentido da moralização do processo político no país e, por tabela, na direção do combate a fraudes e corrupções.

Falo em passos, pois a caminhada é longa, e esse é apenas um dos aspectos da reforma política que – na impossibilidade do plebiscito pleiteado pela Presidenta Dilma – está sendo fatiada, aqui e ali, com alguns resultados positivos, como, por exemplo, o voto aberto da turma do Congresso, conhecidos por alguns como  “representantes do povo”.

É justo registrar aqui que essas medidas, tanto no âmbito do judiciário quanto no do legislativo, só estão sendo tomadas porque, a partir do clamor popular nas ruas brasileiras, Dilma soube reconhecer a necessidade de dar respostas, de cobrar respostas de quem de direito, ou de  provocar ações, elencando temas que precisariam ser atacados de imediato. Foi assim com o programa “Mais médicos”, hoje praticamente inquestionável para a maioria dos brasileiros; foi assim com a votação de recursos do pré-sal voltados diretamente para a educação; está sendo assim com esses debates sobre o processo político, nos quais se buscam medidas capazes de conferir a ele uma legitimidade e uma transparência que muitos não querem ver estabelecidas.

Isso nem de longe quer dizer que as reivindicações populares estão sendo atendidas plenamente, até porque as soluções definitivas passam pela superação total das gritantes diferenças sociais que, em nosso país,  enriquecem mais ainda os possuidores e infelicitam os mais pobres. Uma dívida difícil de pagar a curto prazo, mas de pagamento imprescindível, ainda que paulatinamente.

Voltando ao julgamento do Supremo, e sendo claríssimo para mim que o financiamento de campanhas por empresas é absolutamente imoral e contrário ao espírito democrático, fico procurando razões que podem levar alguém que preze a integridade e a honestidade a defender essa prática, parente distante, mas efetiva, do sistema censitário de antigamente.

Como imaginar que essas empresas – geralmente empreiteiras, bancos  ou grandes grupos corporativos  – coloquem  somas enormes de dinheiro a serviço de uma candidatura se não é para, no futuro, beneficiarem-se de favores de entidades públicas, governantes ou parlamentares? Como entender de outra forma a desfaçatez que leva essas empresas a  colocarem fortunas disponíveis para a propaganda de dois candidatos antagônicos, quando  ambos têm chances de ganhar?

Pessoas jurídicas não podem ser equiparadas a cidadãos, com direitos políticos. Pessoas jurídicas não votam nem são votadas. Pessoas jurídicas não podem interferir nos pleitos com a força do poder econômico. Aliás, nesse aspecto, as pessoas físicas endinheiradas também não.  Como bem disse um dos ministros, o assunto envolve muito mais do que  uma questão de financiamento de campanhas, porque o que está em jogo é saber quem deve financiar a democracia no Brasil, se são as corporações ou a cidadania.
  
Quem  argumenta contra usa de um raciocínio tosco e moralmente condenável. A turma contrariada com o que vem aí assegura – talvez falando do que entende bem – que a proibição só fará incentivar mais ainda a prática do “caixa 2”. Pode ser, mas a justiça eleitoral, se realmente quiser, tem condições de fiscalizar e punir esses procedimentos. Outro argumento é o de que quem deve decidir sobre elementos da reforma política é o poder legislativo e que se estaria judicializando indevidamente o caso dos financiamentos. Ou seja, isso deveria ser decidido pelos próprios interessados... Impossível não lembrar aqui as palavras de Leonel Brizola, quando falava de raposas tomando conta do galinheiro... 

A questão está no Supremo porque se discute se é constitucional esse tipo de interferência abusiva do poder econômico na eleição de nossos representantes. E a decisão que está sendo tomada mostra que, para a observância dos preceitos de uma Constituição cidadã, a cidadania tem que estar representada em todos os momentos. Mesmo no financiamento do processo eleitoral, através de recursos públicos distribuídos em um sistema de ponderações e equilíbrio.

Aliás, se estão tão preocupadas assim com a importância cívica das eleições, se é isso que faz as empresas aplicarem tantos recursos em apoio a candidaturas, que tal elas disponibilizarem essas mesmas quantias diretamente para os tribunais eleitorais, cabendo a estes, segundo regras transparentes, fazer as destinações devidas...democraticamente? 

Políticos são empregados do povo, e não de empresas. Vejo nos jornais críticas candentes ao Supremo, pela decisão que ele está em vias de tomar.

 Fala-se em bom senso e chega-se a argumentar com o vácuo que se provocaria no processo eleitoral, “tirando o que existe e não pondo nada no lugar”. Acho que há o que pôr no lugar: transparência, equidade, cidadania, democracia, ética. Os mecanismos para fazer com que prevaleçam esses princípios básicos serão, depois, certamente encontrados. Mas o prioritário, agora, é ferir de morte essa interferência espúria que, subliminarmente, conduz a vontade do povo pelos tortuosos caminhos dos interesses corporativos.   

 Nota do autor:- Sendo esta minha última coluna de 2013, desejo a todos os colegas colunistas, de cuja companhia me orgulho,  e aos leitores, que me honram com o seu interesse e com seus comentários, favoráveis ou não, um excelente  período de festas e um novo ano de plena felicidade e realizações.  Voltaremos em 2014, um ano que, seguramente, promete muita efervescência, em vários ambitos da realidade nacional. Um ano em que todo cuidado será pouco e toda atenção será necessária, no campo da cidadania.”

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