Luciano Martins Costa, Observatório daImprensa
“O jornal O Estado de S.Paulo rompe a barreira do silêncio e
vincula, pela primeira vez desde que o assunto veio à tona, o caso do cartel no
sistema de transporte por trilhos na capital paulista a políticos do PSDB, do
PPS e do Partido Democratas. A notícia está no alto da primeira página, na
edição de quinta-feira (21/11): “Ex-diretor da Siemens envolve políticos com
cartel”, diz o título. A fonte da informação é um relatório entregue há sete
meses por um ex-executivo da empresa suíça ao Cade – Conselho Administrativo de
Defesa Econômica.
Num dos trechos reproduzidos pelo jornal, o autor da denúncia afirma
possuir “documentos (originais) que provam a existência de um forte esquema de
corrupção no estado de São Paulo durante os governos Covas, Alckmin e Serra e
que tinha como objetivo principal o abastecimento do 'caixa dois' do PSDB e do
DEM”.
O relatório foi produzido em meio a negociações do autor, que
participava do acordo entre a Siemens e o Cade, pelo qual a multinacional
ajudaria a investigar o esquema de cartel em obras e serviços de manutenção do
metrô e dos trens metropolitanos de São Paulo e do Distrito Federal.
O ex-diretor da Siemens recebeu orientação de um deputado do Partido dos
Trabalhadores, fato que é destacado pelo jornal no meio da reportagem, o que
pode gerar controvérsias sobre intenções dos protagonistas, mas não altera o
teor explosivo dos documentos.
A Siemens tinha interesse em ver investigado o caso de cartel porque
corria o risco de vir a ser prejudicada em futuros negócios com governos, não
apenas no Brasil. O executivo, apontado como o principal informante no acordo
de leniência, pretendia ajudar a empresa e ao mesmo tempo negociava um emprego
na Vale, pois depois do processo ficaria mal visto no mercado. Seu relatório,
se levado às últimas consequências como foi o caso da Ação Penal 470, vai
espalhar penas (judiciais) por todo lado.
A teoria do domínio do fato
A edição do Estado de quinta-feira (21) é um marco significativo
na história das coberturas de casos de corrupção pela imprensa brasileira. O
jornal assume que se trata do “primeiro documento oficial que vem a público que
faz referência a supostas propinas pagas a políticos ligados a governos
tucanos”. Até então, observa o jornal paulista, o Ministério Público e a
Polícia Federal apontavam suspeitas de corrupção que envolviam apenas
ex-diretores de estatais, como a Companhia Paulista de Trens Metropolitanos.
Como o relatório do ex-diretor da Siemens foi entregue ao Cade em abril,
é possível que outros jornais, como a Folha de S.Paulo, também já
tivessem conhecimento de seu conteúdo. Agora, toda a imprensa está obrigada e
retomar a cobertura do escândalo a partir do ponto definido pela revelação do Estado.
Não se trata mais, portanto, de um caso de cartel, mas de um dos mais
graves esquemas de corrupção da política brasileira, cujas consequências podem
ser observadas diariamente nos trens lotados, nos congestionamentos de trânsito
e nas carências da infraestrutura de transportes na região da capital paulista.
Some-se a essa revelação o caso do esquema de propinas que desviou quase meio
bilhão de reais dos cofres da prefeitura paulistana na última década e temos um
quadro de sonhos para os jornalistas com apetite para a investigação.
Certamente há influências políticas e interesses do PT no Cade, como já
foi fartamente explorado pelos jornais, mas isso não impediu a imprensa de
explorar obstinadamente outros escândalos, quando os papéis estavam trocados.
O relatório divulgado pelo Estado de S.Paulo cita explicitamente
o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), os secretários estaduais José
Aníbal, Jurandir Fernandes, Edson Aparecido e Rodrigo Garcia, além do deputado
federal Arnaldo Jardim (PPS), o ex-governador do Distrito Federal José Roberto
Arruda (DEM) e o atual vice-governador, Tadeu Filipelli (PMDB). “Além de
envolver muitos projetos e dezenas de pessoas, o esquema de corrupção se
estende por um longo período”, diz o relatório, segundo o jornal paulista.
Agora, o leitor e leitora atentos esperam
que a imprensa aplique ao caso algumas das teses consagradas recentemente pelo
Supremo Tribunal Federal, como o princípio do domínio do fato, e acompanhar a
consolidação de “uma nova era na democracia brasileira – a Era dos Corruptos na
Cadeia”, como anunciou a revista Época em sua última edição.”
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