Ricardo Kotscho, Balaio do Kotscho
“Vou dar uma folga hoje ao jornalista que atende pelo mesmo nome e pedir licença a vocês para escrever este texto como velho amigo da família de José Genoíno, que é o que mais me importa neste momento. Para mim, embora ganhe a vida atualmente como comentarista político, o destino dos seres humanos sempre esteve acima de qualquer outra questão, ao longo deste quase meio século de carreira de repórter, em que procurei contar as histórias da minha terra e da minha gente, em sua grande maioria brasileiros anônimos.
De tanto ler ao longo da semana colunas, blogs e comentários nas redes sociais eivados de torpezas, vilezas, canalhices, sordidez, perversões, infâmias, sabujice, injúrias e safadezas, estava relutando em voltar ao assunto porque chega uma hora em que a indignação é tanta que as palavras chegam a perder o sentido, a gente já nem sabe o que dizer.
Mudei de ideia na manhã desta sexta-feira cinzenta em São Paulo, ao ler, na página A3 da Folha, o artigo do competente jornalista Carlos Brickmann, que pode ser acusado de tudo, menos de ser petista.
Escreve Brickmann: "Uma sociedade que, mesmo tendo razão ao reivindicar a aplicação rígida da lei, tenta extrapolar seus limites para atormentar ainda mais quem já foi punido pela privação da liberdade precisa se reavaliar. Com a prisão, os infratores foram punidos e a vingança da sociedade se realizou. Ir além é retroceder a épocas que já deveriam ter sido superadas".
O que boa parte dos jornalistas-pistoleiros acoitados na grande imprensa quer, na verdade, não é Justiça, mas vingança contra um partido político e seus dirigentes _ e José Genoíno, deputado federal e ex-presidente do PT, tornou-se seu principal alvo. "O que a lei prevê é a privação da liberdade, em diversos graus. A lei não prevê maus-tratos, não prevê castigos físicos, não prevê condições inadequadas de prisão", lembra Brickmann, com toda propriedade.
Como pode o mesmo Supremo Tribunal Federal que adotou a teoria do "domínio do fato", para punir mesmo sem provas ou atos de ofício, permitir que um homem gravemente doente do coração, como é do conhecimento geral da Nação, seja jogado num presídio em regime fechado quando foi condenado ao semiaberto?
Esta barbaridade já durava uma semana, quando foi momentaneamente suspensa para que Genoíno fosse levado a um hospital na tarde de quinta-feira, depois de declarar, em pé, na sala do diretor do presídio, aos colegas que foram visita-lo: "Entre a submissão e a humilhação, eu vou para a luta nem que leve a minha vida".
Filho de lavradores, nascido na comunidade de Várzea Redonda, em Quixeramobim, no Ceará, acolhido na casa paroquial de Senador Pompeu para que pudesse estudar, líder estudantil e ex-guerrilheiro, fundador do PT, parlamentar quase a vida toda, Genoíno é a prova viva da famosa frase de Euclides da Cunha, segundo a qual "o sertanejo é antes de tudo um forte". Por isso, não me surpreende a sua disposição de enfrentar as dificuldades de cabeça erguida.
Mas não é só ele: o que mais me comove em
toda esta história é o comportamento de solidariedade permanente e
absoluta de sua família, a pequena grande Rioco, que conheceu na prisão, e seus
três filhos, Miruna, Ronan e Mariana, que estão sempre por perto na Papuda
para zelar por sua integridade física e denunciar o tratamento desumano que lhe
é dispensado desde que se apresentou à Polícia Federal.
Parafraseando Luís XIV, o rei
absolutista da França, a quem é atribuída a frase "O Estado sou eu",
José Genoíno e os demais políticos presos estão submetidos ao livre-arbítrio de
juízes que adotaram o lema "A Lei sou eu", donos da vida e da morte,
para atender à sanha de jornalistas e seus leitores ensandecidos, que não
se conformam apenas com a condenação dos réus, mas querem humilha-los e, se
possível, extermina-los.
"Por que obrigar pessoas próximas dos
70 anos a acocorar-se para fazer suas necessidades?", indaga em seu artigo
o colega Carlinhos Brickmann, a quem agradeço por me dar as palavras que não
encontrava para expressar meu sentimento de vergonha, dor e revolta. Sim,
eu sei, são estas as condições degradantes em que vive a grande maioria
dos presos no nosso país, mas nem por isso vou me conformar com a saga de
sofrimento enfrentada pela família de Genoíno, em defesa da vida, enquanto se
multiplicam as cenas de tripúdio explícito dos arautos da morte diante da dor
alheia.
Aguenta firme, Genoíno, e manda um abraço
para toda a família, e aos amigos Zé Dirceu e Delúbio, que espero reencontrar
em breve, quando a lei for cumprida e eles passarem para o regime semiaberto ao
qual foram condenados. Um dia, que espero não demore muito, a História fará
Justiça com vocês.
Perdoem-me o desabafo, mas tem hora que o
cidadão engole o jornalista. Jornalistas temos muitos, amigos nem tanto.”
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