“Os tucanos devem estar muito irritados com
a revista IstoÉ. Se dependesse de FHC, o exército já teria ocupado a redação do
semanário - como fez para silenciar os petroleiros na greve de maio de 1995. Há
dois meses a publicação produz excelentes reportagens, fartamente documentadas,
sobre o chamado propinoduto tucano, que envolve poderosas multinacionais do
setor de transportes - como a Siemens e a Alstom - num esquema bilionário de
corrupção com os chefões do PSDB de São Paulo. O restante da mídia tenta, ao
máximo, esconder o explosivo assunto. Nesta semana, porém, a IstoÉ deu mais
detalhes sobre o envolvimento direto de Andrea Matarazzo, ministro do governo
FHC e secretário estadual nas gestões de Mário Covas e José Serra, na
maracutaia. Vale conferir a reportagem:
Operação França
Investigações chegam ao topo do esquema e mostram que líderes tucanos operaram junto com executivos franceses para montar o propinoduto do PSDB paulista. Os acordos começaram na área de energia e se reproduziram no setor de transporte trilhos em SP
As investigações sobre o escândalo do Metrô em São Paulo entraram num momento crucial. Seguindo o rastro do dinheiro, a Polícia Federal e procuradores envolvidos na apuração do caso concluíram que o esquema do propinoduto tucano começou a ser montado na área de energia, ainda no governo de Mário Covas (1995-2001), se reproduziu no transporte público – trens e metrô – durante as gestões também de Geraldo Alckmin (2001-2006) e de José Serra (2007-2010) e drenou ao menos R$ 425 milhões dos cofres públicos.
Investigações chegam ao topo do esquema e mostram que líderes tucanos operaram junto com executivos franceses para montar o propinoduto do PSDB paulista. Os acordos começaram na área de energia e se reproduziram no setor de transporte trilhos em SP
As investigações sobre o escândalo do Metrô em São Paulo entraram num momento crucial. Seguindo o rastro do dinheiro, a Polícia Federal e procuradores envolvidos na apuração do caso concluíram que o esquema do propinoduto tucano começou a ser montado na área de energia, ainda no governo de Mário Covas (1995-2001), se reproduziu no transporte público – trens e metrô – durante as gestões também de Geraldo Alckmin (2001-2006) e de José Serra (2007-2010) e drenou ao menos R$ 425 milhões dos cofres públicos.
Para as autoridades, os dois escândalos
estão interligados. Há semelhanças principalmente no modo de operação do
pagamento de propina por executivos da multinacional francesa Alstom a
políticos e pessoas com trânsito no tucanato para obtenção de contratos
vantajosos com estatais paulistas. Nos dois casos, os recursos circulavam por
meio de uma sofisticada engenharia financeira promovida pelos mesmos lobistas,
que usavam offshores, contas bancárias em paraísos fiscais, consultorias de
fachadas e fundações para não deixar rastros.
A partir dessas constatações, a PF e o
MP conseguiram chegar ao topo do esquema. Ou seja, em nomes da alta cúpula do
PSDB paulista que podem ter tido voz ativa e poder de decisão no escândalo que
foi o embrião da máfia dos transportes sobre trilhos. São eles os tucanos
Andrea Matarazzo, ministro do governo FHC e secretário estadual nas gestões
Serra e Covas, Henrique Fingermann e Eduardo José Bernini, ex-dirigentes da
Empresa Paulista de Transmissão de Energia Elétrica (EPTE). Serrista de
primeira hora, Matarazzo é acusado de corrupção por ter se beneficiado de
“vantagens oferecidas pela Alstom”. De acordo com relatório do MP, as operações
aconteciam por meio dos executivos Pierre Chazot e Philippe Jaffré, representantes
da Alstom no esquema que teria distribuído mais de US$ 20 milhões em suborno no
País. É a chamada conexão franco-tucana.
Para avançar ainda mais nas investigações e conseguir esquadrinhar com precisão o papel de cada um no esquema, a procuradoria da República obteve judicialmente a quebra dos sigilos bancários e fiscais dos três líderes tucanos e de mais oito pessoas. Constam da lista lobistas, intermediários e secretários ou presidentes de estatais durante a gestão de Mário Covas (PSDB) em São Paulo. A ordem judicial também solicitou informações sobre o paradeiro dos dois executivos franceses. As investigações conduzidas até agora já produziram avanços importantes. Concluíram que parte da propina paga pela Alstom abasteceu os cofres do PSDB paulista.
Para avançar ainda mais nas investigações e conseguir esquadrinhar com precisão o papel de cada um no esquema, a procuradoria da República obteve judicialmente a quebra dos sigilos bancários e fiscais dos três líderes tucanos e de mais oito pessoas. Constam da lista lobistas, intermediários e secretários ou presidentes de estatais durante a gestão de Mário Covas (PSDB) em São Paulo. A ordem judicial também solicitou informações sobre o paradeiro dos dois executivos franceses. As investigações conduzidas até agora já produziram avanços importantes. Concluíram que parte da propina paga pela Alstom abasteceu os cofres do PSDB paulista.
Documentos e depoimentos obtidos também
já foram considerados suficientes para Milton Fornazari Júnior, delegado da
Polícia Federal, estabelecer que as ordens dos executivos franceses Pierre
Chazot e de Philippe Jaffré eram suficientes para convencer os mais altos
escalões do governo estadual a conceder a Alstom vitórias em contratos
superfaturados para o fornecimento de equipamentos no setor de energia. Eles
usavam aquilo que um executivo da empresa francesa qualificou de “política de
poder pela remuneração”.
Uma série de evidências demonstra que a máfia na área de energia serviu como uma espécie de embrião do cartel dos trens. Ao elencar os motivos do pedido de quebra de sigilo, o procurador da República Rodrigo de Grandis faz a ligação entre os dois esquemas ao destacar a existência de “contratos de consultoria fictícios utilizados para o pagamento, entre abril e outubro de 1998, quando a Alstom T&D (por meio do consórcio franco-brasileiro Gisel) e a Eletropaulo negociavam um contrato aditivo à obra de reforma e expansão do Metrô de São Paulo”.
Os métodos para acobertar os pagamentos de suborno utilizados pela Alstom se assemelham aos de outras empresas do cartel dos trens, a exemplo da Siemens. Como ISTOÉ mostrou em julho, a multinacional alemã, por meio de sua matriz ou filial brasileira, contratava as offshores uruguaias Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A, controladas pelos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, falecido. Os irmãos ficavam encarregados de intermediar ou distribuir o dinheiro da propina. Porém, o número de empresas em paraísos fiscais usadas pela Alstom para encobrir o pagamento dos subornos pode ter sido bem maior.
Uma série de evidências demonstra que a máfia na área de energia serviu como uma espécie de embrião do cartel dos trens. Ao elencar os motivos do pedido de quebra de sigilo, o procurador da República Rodrigo de Grandis faz a ligação entre os dois esquemas ao destacar a existência de “contratos de consultoria fictícios utilizados para o pagamento, entre abril e outubro de 1998, quando a Alstom T&D (por meio do consórcio franco-brasileiro Gisel) e a Eletropaulo negociavam um contrato aditivo à obra de reforma e expansão do Metrô de São Paulo”.
Os métodos para acobertar os pagamentos de suborno utilizados pela Alstom se assemelham aos de outras empresas do cartel dos trens, a exemplo da Siemens. Como ISTOÉ mostrou em julho, a multinacional alemã, por meio de sua matriz ou filial brasileira, contratava as offshores uruguaias Leraway Consulting S/A e Gantown Consulting S/A, controladas pelos lobistas Arthur Teixeira e Sérgio Teixeira, falecido. Os irmãos ficavam encarregados de intermediar ou distribuir o dinheiro da propina. Porém, o número de empresas em paraísos fiscais usadas pela Alstom para encobrir o pagamento dos subornos pode ter sido bem maior.
Pelo menos cinco já foram identificadas:
a MCA, comandada por Romeu Pinto Júnior e com sede no Uruguai, a Taltos, a
Andros, a Janus e a Splendore. Elas eram operadas pelos franceses Pierre Chazot
e Philippe Jaffré, então executivos da Alstom, por meio de procurações. Eles
abriam contas nos Estados Unidos e na Suíça e distribuíam os recursos. Foi
através dessa engrenagem que o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado
(TCE) e homem forte do governo Mário Covas, Robson Marinho, recebeu cerca de
US$ 1 milhão em uma conta na Suíça. O montante encontra-se bloqueado pela
Justiça do país europeu.
Se alguém preferisse receber no Brasil, os executivos da francesa Alstom também se encarregavam de fazer o caminho de volta por um doleiro. Em depoimento ao Ministério Público, Romeu Pinto Júnior confirmou que recebia os valores em notas e que o executivo Pierre Chazot “lhe ordenava entregar os pacotes com dinheiro em espécie a pessoas”. Porém, inacreditavelmente, declarou “que desconhece a identidade” daqueles que foram os destinatários dos polpudos envelopes.
Se alguém preferisse receber no Brasil, os executivos da francesa Alstom também se encarregavam de fazer o caminho de volta por um doleiro. Em depoimento ao Ministério Público, Romeu Pinto Júnior confirmou que recebia os valores em notas e que o executivo Pierre Chazot “lhe ordenava entregar os pacotes com dinheiro em espécie a pessoas”. Porém, inacreditavelmente, declarou “que desconhece a identidade” daqueles que foram os destinatários dos polpudos envelopes.
Parte do dinheiro que chegou às mãos de
Romeu veio pelo doleiro Luiz Filipe Malhão e Sousa. Ele assumiu para as
autoridades ter feito duas remessas de contas da MCA do Exterior para o Brasil.
“A primeira no valor de US$ 209.659,57”,
destaca documento do MPF. “A segunda no valor de US$ 298.856,47”, consta em
outro trecho. A origem de ambas as operações era uma conta da MCA no banco
Union Bacaire Privée, de Zurique, na Suíça.
Assim como outras empresas do cartel, o conglomerado francês também lavava o dinheiro da propina em território nacional. O esquema consistia em contratar empresas brasileiras que emitiam notas de serviços que nunca foram prestados. Em troca de comissão, os valores pagos eram repassados pelos contratados a políticos e servidores públicos, sempre seguindo as ordens dos executivos do grupo francês. Era esse serviço que a Acqua Lux Engenharia e Empreendimentos, com um único funcionário, desempenhava.
Assim como outras empresas do cartel, o conglomerado francês também lavava o dinheiro da propina em território nacional. O esquema consistia em contratar empresas brasileiras que emitiam notas de serviços que nunca foram prestados. Em troca de comissão, os valores pagos eram repassados pelos contratados a políticos e servidores públicos, sempre seguindo as ordens dos executivos do grupo francês. Era esse serviço que a Acqua Lux Engenharia e Empreendimentos, com um único funcionário, desempenhava.
“A principal origem de receitas (da
Acqua Lux) advém de serviços prestados à Alstom T&D Ltda.”, destaca
documento do MPF. “Os peritos verificaram a possibilidade de a empresa, nos
anos 2000 e 2001, não ter prestado efetivamente serviços para a Alstom”, diz o
MP em outro trecho. O proprietário da companhia, Sabino Indelicato, figura
entre os indiciados pela Polícia Federal. Na Siemens, a encarregada dessa
função era a MGE Transportes, dirigida por Ronaldo Moriyama. De acordo com uma
planilha de pagamentos do conglomerado alemão, já revelada por ISTOÉ, a empresa
alemã pagou à MGE R$ 2,8 milhões até junho de 2006. Desse total, pelo menos R$
2,1 milhões foram sacados na boca do caixa por representantes da MGE para serem
distribuídos a políticos e diretores da Companhia Paulista de Trens
Metropolitanos (CPTM).
Também chama a atenção da Polícia Federal e do Ministério Público o fato de os dois escândalos utilizarem lobistas e consultores em comum. Um deles é Jorge Fagali Neto. Ex-secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo (1994) e diretor dos Correios na gestão Fernando Henrique Cardoso, Fagali Neto é conhecido pelo seu bom trânsito entre os tucanos. Seu irmão José Jorge Fagali foi presidente do Metrô na gestão de José Serra e é investigado pelo MP e pelo Tribunal de Contas Estadual por fraudar licitações e assinar contratos superfaturados à frente do estatal.
Também chama a atenção da Polícia Federal e do Ministério Público o fato de os dois escândalos utilizarem lobistas e consultores em comum. Um deles é Jorge Fagali Neto. Ex-secretário de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo (1994) e diretor dos Correios na gestão Fernando Henrique Cardoso, Fagali Neto é conhecido pelo seu bom trânsito entre os tucanos. Seu irmão José Jorge Fagali foi presidente do Metrô na gestão de José Serra e é investigado pelo MP e pelo Tribunal de Contas Estadual por fraudar licitações e assinar contratos superfaturados à frente do estatal.
Em 2009, autoridades suíças sequestraram
uma conta conjunta com US$ 7,5 milhões de Fagali Neto com José Geraldo Villas
Boas – também indiciado pela PF. A quantia depositada no banco Leumi Private
Bank AG teve como origem o caixa da francesa Alstom. Agenda e e-mails entregues
por uma ex-funcionária de Fagali Neto ao MP mostram que ele prestava serviços
também a outras empresas da área de transporte sobre trilhos relacionadas ao
cartel. Entre elas, a canadense Bombardier e Tejofran. O seu interesse pelo
setor é tamanho que, por e-mail, ele recebeu irregularmente planilhas de um
projeto ainda em desenvolvimento de Pedro Benvenuto, dirigente da Secretaria de
Transportes Metropolitanos de São Paulo demitido nas esteiras das acusações. Em
outra troca de mensagens com agentes públicos, Fagali Neto também mostra
preocupação com a obtenção de financiamento junto ao Banco Mundial (Bird),
BNDES ou JBIC para as obras das linhas 2 e 4 do Metrô paulista. Tamanha
interligação entre os esquemas, segundo o Ministério Público e a Polícia
Federal, não é mera coincidência.
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