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“Em seu artigo da semana, o professor
Wanderley Guilherme dos Santos explica porque a luta contra a corrupção jamais
irá adiante enquanto a humanidade continuar parindo pecadores. E enfatiza que o
problema essencial da corrupção está nos corruptores.
Miguel do Rosário, O Cafezinho
Mudança de regras – quais?
Por Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político.
Os programas da bolsa-família, luz para
todos e de apoio à agricultura familiar, entre outros, não exigiram
modificações prévias na legislação eleitoral ou partidária. O mesmo se diga do
“minha casa, minha vida” e de todos os demais implantados nos últimos dez anos.
O substancial aumento do salário mínimo também ocorreu à distância das regras
de formação de partidos e das cláusulas do código eleitoral. Não são estes os
obstáculos reais à melhoria nos serviços públicos.
Tal como se propala mundo a fora, o mal
estar de grandes segmentos da sociedade decorre da convicção de que as
autoridades contratadas, via eleições, para administrar os recursos das
comunidades, não estão oferecendo serviços à altura do acordado. Pior, estariam
se apropriando ilegalmente de parte desses recursos públicos. Daí a suposição
de que exista um conjunto de normas partidárias e eleitorais capaz de propiciar
uma limpeza em regra nos costumes. Embora tal conjunto, se acaso existisse, não
garanta tipo ou qualidade das políticas públicas que venham a instituir, alguns
imaginam que pelo menos os recursos públicos não seriam mal administrados ou
seqüestrados de forma pecaminosa.
Não conheço e sou cético quanto à
existência de tão eficientes regras partidárias e eleitorais. Em todo caso,
elas não se aplicariam ao outro lado das transações espúrias, isto é, aos
corruptores. Talvez no futuro, mas não agora, as sociedades disponham de
filtros aptos a só deixarem vir ao mundo cidadãos virtuosos. Nesse quesito, e
por enquanto, é forçoso reconhecer que o Brasil hospeda sensacional taxa de
corruptores, alguns operando por meios persuasivos, outros por assédios
agressivos. Do jovem motoqueiro insinuando uma gorjeta ao policial que o multa
por excesso de velocidade ao indignado cidadão que esbraveja contra as
instituições políticas, mas, enquanto feliz proprietário de um estabelecimento
comercial, oferece modesta propina para que o fiscal ignore as insatisfatórias
condições de segurança de incêndio de seu negócio – são raríssimas as exceções
à cultura prevalecente no Brasil, segundo a qual é quase sempre possível
esconder uma ilegalidade promovendo outra. E não há talvez brasileiro que nunca
tenha sido objeto de ameaçadora pressão corruptora por parte dos profissionais
liberais – médicos, advogados, dentistas, analistas, etc. – a cujos serviços
recorre com freqüência, deixando de cobrar-lhes recibos e tornando-se cúmplice
de crimes fiscais. Pois, neste caso, são os corruptores e corruptos que se
consideram iguais na demanda por ética na política, e até justificam a
violência niilista de alguns grupos em passeatas intimidantes pelas ruas do Rio
de Janeiro, São Paulo e outras cidades.
Se o conteúdo material das políticas de
governo praticamente nada deve às regras eleitorais e partidárias, e se a taxa
de corrupção na arena pública depende, em primeiro lugar, da taxa de
corruptores privados, há motivo para duvidar de que a enorme balbúrdia em que
se encontra a vida social e política do país, no momento, venha a resultar em
ganhos civilizatórios universalmente aceitos. Enquanto isso, o mundo da
matéria, da economia e da sobrevivência marcha inexoravelmente, ainda quando as
bússolas dos passageiros se encontrem em adiantado estado de desorientação. O
cotidiano nacional se alimenta de opiniões volúveis e de ideologias
desesperançadas. Mas em breve se há de fazer um levantamento de estoque e o
registro dos restos a pagar.”
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