Mauro Malin, Observatório da Imprensa
Ambas as redações podem estar constatando que:
1. Ficou caro demais passar a mão na cabeça do governante tucano, principalmente depois que ele se mostrou incapaz de controlar a polícia no dia 13 de junho, quando ela deveria, segundo o enredo previsto (ver “Gás de provocação”), ter baixado o sarrafo apenas em manifestantes, mas não poupou jornalistas;
2. O governo estadual não se preparou para o aumento da demanda dos serviços sobre trilhos, seja devido a um planejamento inepto, seja por acomodação a um ritmo de trabalho ditado por interesses de empreiteiros de obras e fornecedores de material ferroviário, ou pelas duas razões combinadas e mais algumas que caberá aos responsáveis apresentar;
3. A preferência política na edição do noticiário “local” (cidade e estado) foi posta a nu, para camadas influentes da população, pela crítica na internet (que há muitos anos inclui, se nos dão licença, o Observatório da Imprensa).
Prefeitura
“erra” até quando acerta
Nesta conjuntura de relativo
desnorteamento, a Folha mantém a hostilidade ao governo municipal. Não em
editoriais, mas no noticiário. Na mesma edição, sob o título “Faixa de ônibus
piora trânsito na 23 de Maio”, uma reportagem insiste em ignorar sinais que as
ruas deram vulcanicamente a partir de 6 de junho: tratem do transporte
coletivo, parem de privilegiar o automóvel.
A reportagem, aliás, registra que a vida
dos passageiros de ônibus tende a melhorar: “Para as linhas que circulam pelo
corredor, a faixa já representou melhora. O sistema da SPTrans (empresa que
gerencia o transporte) registrou velocidades acima de 20 km/h. Antes, era ao
menos (sic) a metade”.
Se tivesse sido seguida a lógica motivadora
da segregação da faixa de ônibus, o título teria sido, por hipótese, “Ônibus
mais rápidos em faixa na 23 de Maio”. Mas essa é a lógica da Secretaria
Municipal de Transportes, da qual o jornal desconfia. Desconfiar, pode, ainda
mais quando há sobejas razões para tanto. Brigar com os fatos, porém, não é
permitido.
Se se confirmar um descolamento do
tucanato, os jornais se verão diante de uma sinuca de bico: a quem apoiar? Em
2000, o Estadão declarou apoio à candidata Marta Suplicy, que venceu e se
tornou prefeita. Mas essa opção era sopa: Marta enfrentou Paulo Maluf.
Mudou
o Natal
Essa hipotética orfandade trairia uma
incapacidade de se sintonizar com novidades importantíssimas da formação social
brasileira. Por sinal, nem tão novas: há quanto tempo se diz que as elites
políticas nacional, estaduais e municipais deixaram de representar os
interesses, as aspirações e a esperança das populações?
Mas, como disse Kierkegaard, se a vida só
pode ser vivida para frente, só pode ser pensada para trás. Aferramo-nos todos,
pobres humanos, aos referenciais que estão ao alcance de nossos cérebros. E
toda formulação, salvo para quem foi objeto de revelação divina, é calcada na
realidade percebida. Realidade que abrange crenças, estruturas mentais,
sistemas de organização política.
Se os jornais percebessem que não precisam
ser prisioneiros de uma vida política que privilegia sua própria reprodução,
ajudariam a sociedade a dar outros tantos saltos, menos impressionantes do que
os de junho, mas possivelmente com resultados mais radicais e mais duradouros. Ajudariam
mais a democratizar um país que, diferentemente do que pensam muitos, não está
consolidando nem amadurecendo o regime democrático, e sim conquistando-o.”
Comentários