O povo não é bobo: muito além da Rede Globo


Manifestante usa camisa anti-Rede
Globo durante protesto em junho

Dados da pesquisa “Democratização da Mídia”, realizada pela Fundação Perseu Abramo e lançada na última semana, comprovam que o povo já entendeu que uma mídia que dê mais vez e voz às camadas populares é essencial para a democracia.

Paulo Victor Melo, Intervozes / CartaCapital

Se enganou quem acreditava que os gritos de “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo” ecoados em inúmeras manifestações por todo o país nos meses de junho e julho significavam um descontentamento da população exclusivamente com a emissora da família Marinho.

É fato que tanto a forma tendenciosa como a emissora cobriu as manifestações quanto a divulgação pública (menos pela própria emissora do plim plim) da dívida milionária da Globo com a Receita Federal contribuiram para que, em meio a tantas reivindicações, o povo não deixasse de fora as críticas à TV de maior audiência do país. Porém, mais do que uma relação única com a Globo, as manifestações guardavam algo maior: uma insatisfação popular com a ausência de diversidade e pluralismo na mídia brasileira. Guardavam, acima de tudo, uma necessidade sentida pelo povo de regras claras que garantam maior democracia no rádio e na televisão.

Se antes a mídia comercial criticava com acidez qualquer proposta de regulação, afirmando ser “um desejo de alguns poucos que querem censurar a imprensa”, agora não poderá fazer o mesmo.

Dados da pesquisa “Democratização da Mídia”, realizada pelo Núcleo de Estudos e Opinião Pública da Fundação Perseu Abramo, lançada na última semana em São Paulo, comprovam: o povo não é bobo e já entendeu que uma mídia que dê mais vez e voz às camadas populares é essencial para a democracia. Aqui no Brasil, caminhamos e lutamos para isso. Mas ainda ainda estamos distantes dessa realidade.

Vamos a alguns dados.

43% dos entrevistados pela Fundação Perseu Abramo afirmaram não se reconhecer na TV e 25% se veem retratados negativamente. Ou seja, 75% não está satisfeita como é (ou como não é) representada pela mídia brasileira. Esse sentimento já havia sido traduzido pelo pernambucano Ivan Moraes, no cordel que escreveu sobre a regulamentação da comunicação: “...Por que tudo é tão igual? Como as pessoas não são...”.

Mas se o povo pode não se identificar na telinha, ele não é bobo mesmo. 60,7% foram enfáticos: a televisão e o rádio privilegiam interesses dos empresários, concedem mais espaço para os patrões que para os trabalhadores.

O povo também percebe que mulheres, negros e negras, nordestinos e homossexuais são, comumente, desrespeitados na programação. 54% dos entrevistados acreditam que conteúdos de violência ou humilhação de homossexuais ou negros, por exemplo, não deveriam ter espaço na TV brasileira. 50% também não admitem programas de “humor” que ridicularizam grupos socialmente vulneráveis.

Diferente do que pensam os barões da mídia, o povo quer e sabe como mudar tudo isso. 71% dos entrevistados não titubearam: é preciso uma melhor regulamentação do rádio e da TV no Brasil. Regras mais claras, limites estabelecidos e participação popular são alguns dos caminhos apontados.

A pesquisa entrevistou 2400 famílias, com pessoas de todas as idades, raças, gêneros, sexualidades e regiões do país. Ouviu gente de 120 cidades, desde metrópoles até zonas rurais e povoados de pequenos e médios municípios. Ou seja, uma pesquisa tão séria e legítima quanto as divulgadas pela televisão brasileira.

Por isso, não faz mal perguntar: Por que essa pesquisa, então, não foi notícia nos principais telejornais do país? Continuam achando que somos bobos...

A nós, que não somos bobos, cabe permanecer na luta. Afinal, como cantou o músico Wado: “grita pra acontecer, urge de urgência. Sim, irá prevalecer a reforma agrária do ar...”.


*Paulo Victor Melo é jornalista, membro do Conselho Diretor do Intervozes e mestrando em Comunicação e Sociedade na Universidade Federal de Sergipe

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