Saul Leblon, Carta Maior
“Há quatro anos, no dia 19 de agosto de
2009, Marina Silva deixou o PT.
É cedo ainda, do ponto de vista de tempo histórico, para sentenças definitivas.
Por ora, cabe dizer, como já disse uma vez Carta Maior, que a agenda ambiental do PT não ganhou com a saída de Marina Silva.
E Marina ainda precisa provar que a ruptura fortaleceu a agenda ambiental no país.
Neste domingo, Marina concedeu entrevista à Folha.
Entrevista magra, possivelmente descarnada pela edição do jornal.
Mas generosa o suficiente para ressaltar seu time de economistas.
Entre os quais avultam medalhões neoliberais, como Eduardo Giannetti da Fonseca, do conservador Insper, e André Lara Resende, formulador tucano do Plano Real, que hoje se dedica a buscar uma ponte entre o arrocho ortodoxo e a agenda verde do não crescimento.
É cedo ainda, do ponto de vista de tempo histórico, para sentenças definitivas.
Por ora, cabe dizer, como já disse uma vez Carta Maior, que a agenda ambiental do PT não ganhou com a saída de Marina Silva.
E Marina ainda precisa provar que a ruptura fortaleceu a agenda ambiental no país.
Neste domingo, Marina concedeu entrevista à Folha.
Entrevista magra, possivelmente descarnada pela edição do jornal.
Mas generosa o suficiente para ressaltar seu time de economistas.
Entre os quais avultam medalhões neoliberais, como Eduardo Giannetti da Fonseca, do conservador Insper, e André Lara Resende, formulador tucano do Plano Real, que hoje se dedica a buscar uma ponte entre o arrocho ortodoxo e a agenda verde do não crescimento.
Na edição da 2ª feira, nada menos que dois colunistas do diário da família Frias cobriram de elogios a presidenciável que mais cresceu com os protestos de junho.
Aspas para trechos das colunas de Vinicius Mota e Valdo Cruz, desta 2ª feira:
“Marina Silva deu mostras de ter amadurecido na entrevista publicada ontem nesta Folha. O discurso da ordem não se restringiu à crítica dos protestos violentos (...) Na eleição de 2010, Marina já acenava à chamada ortodoxia econômica, no meio de um palavreado confuso e contraditório. Parece que a fase de dúvidas passou. Sem entrar no mérito da convicção da ex-ministra, há boas razões práticas para abraçar a causa (liberal)”. (VM)
“Por mais que o petismo diga que Marina Silva não mete medo, a candidata verde passou a preocupar, sim, os responsáveis pela missão de reconduzir Dilma Rousseff a um segundo mandato. Seus recentes movimentos na direção de economistas como André Lara Resende, um dos pais do Plano Real, deixaram desconfiados estrategistas da dona do Planalto”. (VC)
A inflexão saudada pelo entusiasmo conservador reflete a dificuldade histórica de uma agenda ‘neutra’ sobreviver na luta política, mesmo sendo ela a versátil bandeira verde.
Que agrega desde rótulos espertos de detergentes de limpeza, a militantes sinceros da resistência à destruição da natureza.
Carta Maior não menospreza a gravidade da questão ambiental submetida à hegemonia predatória e imediatista dos mercados desregulados.
Mas tem insistido em que o ambientalismo precisa decidir se quer ser um rótulo, uma tecnologia ou cerrar fileiras na luta por uma nova sociedade.
Quer ser um guia de boas maneiras para o engodo do 'capitalismo sustentável'? Ou um projeto alternativo à lógica desenfreada da exploração da natureza e do trabalho?
A 'Rede' de Marina nasceu como um flerte com a trama evanescente da 'terceira via’.
Nem de esquerda, nem de direita. Nem situação, nem oposição.
Há um tipo de neutralidade que só enxerga os erros da esquerda.
E costuma rejuvenescer o cardápio da direita, sempre que esta se ressente de atrativos para retomar a disputa pelo poder.
Não será propriamente inédito se vier a ocorrer de novo.
A bandeira do 'não crescimento' evolui nessa direção.
Não por acaso, é empunhada agora por Lara Resende – cuja fortuna pós-Real, a exemplo da de outros sábios banqueiros do PSDB, permite-lhe dedicar-se a cavalos de corrida e a divagações antidesenvolvimentistas.
Elide-se nessa poeira de sofisticação a essência predatória do sistema de produção de mercadorias.
Não crescimento em si é o que estamos assistindo há cinco anos, na maior crise do capitalismo desde 1929.
Nada na experiência histórica sugere que a qualidade da vida no planeta melhora quando o sistema congela, a ponto de dispensar o ecoliberalismo de responder a perguntas como: não crescimento para quem, como e a que custo?
Em vez de respostas, o que subsiste à passagem do tropel modernoso é a pertinência das perguntas históricas dirigidas às velhas utopias centristas.
Quem decidirá o quê e quanto a sociedade vai produzir, ou deixar de produzir?
Que tipo de Estado é necessário para viabilizar o planejamento de uma suficiência bem distribuída?
Quais critérios definirão o rateio sustentável dos recursos entre nações e dentro de cada nação?
Como serão superadas as desigualdades históricas acumuladas até o presente?
São perguntas quase rudimentares.
Mas suficientes para evidenciar que a tese do não crescimento responde aos desequilíbrios sociais e ambientais, tanto quanto a panaceia do crescimento é sinônimo de justiça social.
E que as duas protagonizam fugas da questão essencial do nosso tempo.
A democracia.
Quem e como se fará o controle de um Estado capaz, aí sim, de ordenar a sociedade e a produção num rumo sustentável?
Distinguir entre 'consumismo' e sociedade justa e extrair consequências práticas disso é mais que obrigação do ambientalismo consequente.
E da esquerda autêntica também.
Nunca é demais reiterar aquilo que desespera o conservadorismo: a década de governos do PT tirou 50 milhões de brasileiros da miséria.
Isso mudou a ossatura política do país.
Talvez de forma irreversível, no que diz respeito à plasticidade da produção e da demanda.
Mas esse novo protagonista, como fica cada vez mais evidente, ainda é um personagem inconcluso da nossa história.
Sua identidade política está em disputa na luta impiedosa dos dias que correm.
É disso que se trata quando se busca sofregamente eviscerar em praça pública o PT e suas principais lideranças.
Não o PT, o aparelho: mas o risco de a sua criação histórica evoluir a ponto de arrastar o próprio criador.
O caricato Joaquim Barbosa é a bigorna estridente encarregada de dar suporte às marretadas dos que sabem exatamente o risco que representa essa mutação.
O conjunto explica a ‘dosimetria’ hipócrita da mídia.
Ou será que a destinação de espaço --e a contundência— na cobertura do suposto mensalão, pode ser comparada ao empenho editorial e investigativo destinado agora ao escândalo do metrô tucano?.
Colunistas da indignação seletiva, súbito, recolhem-se como roedores às tocas da conveniência.
Mas, e Marina e sua Rede, que papel cumprem ao fazer vista grossa desse divisor escancarado da disputa política atual?
Não há na pergunta a intenção de ofender, mas a exortação a refletir.
A arguição de fundo indaga o que o projeto da Rede entende por sociedade sustentável e justa.
Não se avoque condescendência com quem está começando.
Marina, mais que ninguém conhece os antecedentes dessa história.
Nos anos 70, Chico Mendes (1944-1988), associado às pastorais da terra, vinculou então, pioneiramente, a defesa da floresta à luta contra a miséria e a opressão.
Rompeu-se ali uma tradição preservacionista europeia, branca, elitista e excludente.
No limite, ela preconizava o ostracismo de populações pobres para salvar paisagens.
A ecologia do não-crescimento tem suas raízes aí.
Desde o estirão percorrido por Chico Mendes, o aprofundamento estratégico da interação entre desenvolvimento, justiça social e sociedade sustentável ficou a dever dentro do PT.
Mas em que mesmo avança Marina Silva, quatro anos depois da ruptura com o partido?
Pode-se chamar de ‘amadurecimento’, como o faz a Folha, o ensaio de adesão a um neoliberalismo, cujo empenho específico em evitar que a humanidade seja jogada a um ponto de não retorno no século 21, foi empurrá-la à maior crise do capitalismo desde 1929?
Nada justifica que o tema ambiental continue engavetado na prateleira dos desafios remotos da esquerda.
O colapso financeiro e a multiplicação de eventos climáticos extremos evidenciam a exaustão econômica, social e civilizacional de uma época.
Mas há uma determinação clara do conjunto.
A supremacia do capital financeiro, elidida, astutamente, nas reflexões dos banqueiros do não-crescimento.
É ela que condiciona o cálculo econômico do nosso tempo, com a ganância intrínseca a uma lógica dissociada de compromisso com o mundo real.
Taxas de retorno incompatíveis com a exploração sustentável dos recursos naturais – de ciclo mais lento e mais longo – tornaram-se o paradigma de um regime global de extorsão de lucros.
A voragem do capital fictício encontra na ganância dos acionistas um roteador à altura.
Seu padrão de retorno torna incompatível o convívio entre produção e direitos sociais.
Entre a exploração de matérias-primas e a regeneração dos sistemas naturais.
O conjunto sugere que a dissociação entre socialismo democrático e ambientalismo consequente configura-se uma contradição nos seus próprios termos.
A atrofia de um desarma e derrota o outro.
Significa também que a assimilação da agenda ambiental pelo neoliberalismo , antes de configurar uma alternativa ao teor destrutivo do capital nos dias que correm, reforça o sopro da barbárie que já respira entre nós.
Quatro anos depois, Marina oscila à beira desse precipício, enquanto o jornalismo isento grita: 'Pula! Pula! Pula!”
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