“O professor dispara tiros precisos no
coração do golpe.
Miguel do Rosário, o cafezinho
Por Wanderley Guilherme dos Santos
Regras democráticas e direitos constitucionais não transferem suas
virtudes às ações que os reivindicam como garantia. Máfias e cartéis econômicos
também são organizações voluntárias e nem por isso o que perpetram encontra
refúgio na teoria democrática ou em dispositivos da Constituição. Esgueirar-se
entre névoas para assaltar pessoas ou residências não ilustra nenhum direito de
ir e vir, assim como sitiar pessoas físicas ou jurídicas em pleno gozo de
prerrogativas civis, políticas e sociais, ofendendo-as sistematicamente, nem de
longe significa usufruir dos direitos de agrupamento e expressão. Parte dos
rapazes e moças que atende ao chamamento niilista confunde conceitos, parte
exaure a libido romântica na entrega dos corpos ao martírio dos jatos de
pimenta, parte acredita que está escrevendo portentoso capítulo revolucionário.
São estes os subconjuntos da boa fé mobilizada. Destinados à frustração adulta.
É falsa a sugestão de que se aproximam de uma democracia direta ou ateniense
da idade clássica. Essa é a versão de jornalistas semi-cultos que ignoram como
funcionaria uma democracia direta e que crêem na versão popularesca de que
Atenas era governada pelo Ágora – uma espécie de Largo da Candelária repleto de
mascarados e encapuzados trajando luto. Os Ágoras só tratavam de assuntos
locais de cada uma das dez tribos atenienses. Em outras três instituições eram
resolvidos os assuntos gerais da cidade, entre elas a Pnyx, que acolhia os
primeiros seis mil atenienses homens que lá chegassem. Ali falava quem
desejasse, apresentassem as propostas que bem houvessem e votos eram tomados. Os
nomes dos proponentes, porém, ficavam registrados e um conselho posterior
avaliava se o que foi aprovado fez bem ou mal à cidade. Se mal, seu proponente
original era julgado, podendo ser condenado ao confisco de bens, exílio ou
morte. A idéia de democracia direta como entrudo, confete e um cheirinho da
loló é criação de analistas brasileiros.
As cicatrizes que conquistarem nos embates
que buscam não semearão, metaforicamente, sequer a recompensa de despertar o
País para a luta contra uma ditadura (pois inexistente), apesar de derrotados,
torturados e mortos – reconhecimento recebido pelos jovens da rebelião armada
da década de 70. Estão esses moços de atual boa fé, ao contrário, alimentando o
monstro do fanatismo e da intolerância e ninguém os aplaudirá, no futuro, pelo
ódio que agora cultivam, menos ainda pelas ruínas que conseguirem fabricar. Muito
provavelmente buscarão esconder, em décadas vindouras, este presente que será o
passado de que disporão. Arrependidos muitos, como vários dos participantes do
maio de 68, francês, cuja inconseqüência histórica (e volta dos conservadores)
é discretamente omitida nos panegíricos.
Revolução? – Esqueçam. Das idéias, táticas
e projetos que difundem não surgirá uma, uma só, instituição política decente,
democrática ou justa. Não é essa a raiz dessa energia que os velhotes têm medo
de contrariar. É uma enorme torrente de energia, sem dúvida, mas é destrutiva
tão somente. E mais: não deseja, expressamente, construir nada. Sob cartolinas
e vocalizações caricaturais não se abrigam senão balbucios, gagueira
argumentativa e proclamações irracionais. Os cérebros do niilismo juvenil sabem
que não passam de peões, certamente alguns muitíssimo bem pagos, talvez em
casa, a atrair bispos, cavalos e torres para jornadas de maior fôlego. Afinal,
os principais operadores da ordem que se presumem capazes de substituir são
seus pais e avós. Em cujas mansões se escondem, no Leblon e nos Jardins.”
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