“Amadores e profissionais do mundo político
parecem de acordo num ponto: Dilma Rousseff tem problemas de comunicação.
Paulo Moreira Leite, ISTOÉ
A razão dessa dificuldade é menos clara, porém.
Um conjunto de analistas, dentro e fora do governo, acredita que a presidente não consegue comunicar com clareza aquilo que pensa ou planeja. É como se fosse uma incapacidade congênita, apenas disfarçada pelo período em que as coisas pareciam andar tão bem na economia que não era necessário falar muito.
Um conjunto de analistas, dentro e fora do governo, acredita que a presidente não consegue comunicar com clareza aquilo que pensa ou planeja. É como se fosse uma incapacidade congênita, apenas disfarçada pelo período em que as coisas pareciam andar tão bem na economia que não era necessário falar muito.
Ao enfrentar tempos mais difíceis,
expressos nos protestos de junho, revelou-se que seria incapaz de conversar com
o povão e também com a elite.
Assim, sua mensagem não chega ao eleitor.
Não se trata, é claro, de uma opinião
consensual.
Analisando os protestos, o sociólogo Manuel
Castells, um dos mais celebrados intelectuais contemporâneos, interlocutor de
Fernando Henrique Cardoso e referência do ex-presidente para tantos assuntos,
disse a Daniela Mendes, da IstoÉ:
- Ela (Dilma) é a primeira líder mundial
que presta atenção, que ouve as demandas de pessoas nas ruas. Ela mostrou que é
uma verdadeira democrata.
Na mesma entrevista, Castells deixou claro
que tinha entendido qual era o problema da mensagem. Ele disse:
- Ela (Dilma) está sendo esfaqueada pelas
costas por políticos tradicionais.
A verdade é que em apenas quinze dias as
principais respostas que Dilma ofereceu aos problemas reais colocados pelos
protestos passaram no moedor de carne e sobrou pouca coisa.
É certo que, com toda sinceridade, e sem
intenções ocultas, muita gente não tinha a menor disposição de prestar atenção
na presidente. Como escreveu uma estudante no Twitter: “para quem tem 20 anos,
a pergunta é: por que ela só pensou nisso agora?”
Nem todos pensaram da mesma forma, contudo.
O plebiscito e a Constituinte, as
principais ideias da presidente para encaminhar a reforma política, tradução
quase literal do urro das ruas contra nossas formas de representação e nossos
representantes, obtiveram apoio de 68% da população. Difícil falar em
problemas de comunicação, certo?
Até um calouro do pior curso de Ciência
Política seria capaz de imaginar que, a partir dali, a presidente poderia
tentar reconstruir relações políticas com uma fatia do seu antigo eleitorado. Aos
trancos e barrancos, havia encontrado uma passagem.
Em poucos dias, para realizar a profecia de
Castells, Dilma foi “esfaqueada pelas costas por políticos tradicionais”, sob
aplauso do mesmos veículos de comunicação que celebraram os protestos como o
despertar do gigante.
O que se alegou? Que o plebiscito e a
Constituinte eram ideias de quem não têm ideias reais e se orientam pelas bolas
de cristal dos serviços de marketing.
Considerando que absolutamente todos os
políticos brasileiros têm seu consultor de marketing, que costuma exercer sua
influência tão notável como decisiva na maioria de suas decisões políticas,
cabe abandonar a ingenuidade fingida e mudar a pergunta: o que se temia?
Simples: temia-se que o povo desse palpite
– de verdade – nas linhas gerais de formação de um novo sistema político. Não
se queria correr o risco de eliminar a influência do poder econômico nos
processos políticos. Era preciso garantir a falsa mudança, o processo em
que tudo muda para que nada mude. As ruas sempre foram úteis para isso, como se
sabe desde que essa frase foi escrita, para registrar os limites da luta
pela democracia italiana.
No esforço unilateral para desqualificar
ideias da presidente, inclusive de grande aprovação popular, inventou-se até
que Dilma havia tentado criar uma lei inútil, aquela que transforma a corrupção
em crime hediondo, apenas para cultivar a demagogia das massas. Você pode
gostar ou não do projeto. Mas é bom saber que ele só entrou em votação
numa ação combinada entre Renan Calheiros e a mais aplicada dupla de inimigos
do governo no Senado, Álvaro Dias e Pedro Taques. Os petistas apenas pegaram
carona, até porque, em função de projetos antigos, mantidos na gaveta pela
direção do Senado, tinham todo direito de se apresentar como pais da
ideia.
O mesmo tratamento se reservou a um projeto
ambicioso, prioritário e, mais uma vez, tão necessário ao país que a estudante
de 20 anos teria toda razão em perguntar mais uma vez: por que não se fez isso
antes?
Estou falando do programa Mais Médicos,
destinado a suprir a carência obvia de médicos em boa parte dos municípios
brasileiros. Quem estuda o mercado de trabalho sabe que, em dez anos, nossas
faculdades formaram 54.000 médicos a menos do que o número necessário para
manter um atendimento razoável no país. No Rio Grande do Sul, prefeituras em
região de fronteira contratam médicos uruguaios para atender à população. Há
dois meses, 2.500 prefeitos – que representam metade das cidades do país –
apoiaram um abaixo assinado para pedir a contratação de médicos. Cansados de
esperar pelos doutores que não vêm, foram até Brasília num ato explícito pela
contratação de estrangeiros.
Mas é óbvio que esse projeto foi camuflado
pela prioridade de dar voz aos adversários do governo. Cumprindo aquele papel
já assumido de auxiliar uma oposição “fraquinha”, em vez de debater os prós e
contras do projeto, a maioria dos meios de comunicação deu atenção maior às
entidades corporativas dos médicos do que à opinião dos usuários do SUS e
lideranças da periferia. Por esse método, seria coerente ouvir apenas Federação
Nacional de Jornalistas para falar sobre o diploma da categoria. Ou perguntar
somente aos sindicatos dos professores sobre o plano de bônus por
produtividade.
Os titulares das entidades médicas foram
ouvidos como porta-vozes legítimos de toda sociedade e não de uma parte
dela. Veiculou-se como verdade estabelecida a noção de que o governo pretendia
enviar médicos para trabalhar em taperas sem estrutura nem condição de
trabalho. Falso.
Neste domingo, graças ao Estado de S.
Paulo, revelou-se que as carências da saúde pública são imensas, mas ela se
encontra em situação oposta. Em cinco anos, o total de equipamentos de
saúde registrados pelo governo federal teve alta de 72,3%. O número de leitos
hospitalares subiu 17,3% e o de estabelecimentos de saúde, 44,5%. A oferta de
médicos, porém, cresceu apenas 13,4% - ou seja, menos do que os principais
índices de infraestrutura de saúde.
Posso até concordar que há um problema real
na comunicação de Dilma, entre aquilo que ela diz e aquilo que pretende dizer.
E é evidente que o governo possui um
problema de articulação essencial, que desconhece inclusive forças que poderiam
ajudá-lo, como se viu no debate sobre o plebiscito.
Mas há um esforço para bloquear a
comunicação. Procura-se um debate a partir da mentira. Dizem agora que o
governo quer “obrigar” estudantes a “doar” dois anos de suas vidas em função da
residência em locais onde a presença de médicos é mais necessária – como se não
fosse uma atividade remunerada, e que em alguns casos pode chegar a R$
8.000.
O que se quer, na verdade, é negar à
autoridades eleitas o direito de definir prioridades para atender a população. O
que se quer é deixar para o mercado a tarefa de organizar a saúde pública –
opção histórica de nossas autoridades, que produziu a miséria visível aos olhos
de todos.
Não é o exercício da crítica, não é a
apuração para mostrar verdades ocultas por trás dos atos do governo. Também não
tem a ver com o caráter adequado ou danoso de suas propostas.
É, simplesmente, um esforço para silenciar
o governo. Vale tudo, inclusive dizer que não sabe se comunicar.”
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