Alberto Dines, Observatório da Imprensa
“Mesmo quando distanciado do jogo partidário, há momentos em que o
cidadão percebe que a política cruza o seu caminho. Isso não se dá
exclusivamente na hora de depositar o voto na urna. A agenda eleitoral, como
todas as rotinas, tem algo de automatizado. No Brasil vota-se porque o voto é
obrigatório, mas as libações cívicas de junho e estas ressacas de julho –
principalmente elas – configuram uma dessas tangências entre o caminhar desatento
da pessoa física e o despertar dos instintos da pessoa cívica.
O motim da noite de quarta-feira (17/7) no Rio, a poucos dias da visita
do papa Francisco, não assustou apenas os cariocas pela violência das ações ou
pela paralisia da polícia em exercer algum controle. Assustou o país inteiro
pela gratuidade. Comparado com Paulo Maluf, o governador Sérgio Cabral Filho é
um anjo impoluto. José Sarney, que já protagonizou os maiores despudores da
nossa cena política, conseguiu safar-se e se manteve absolutamente invisível e
intocado ao longo dessas quase oito semanas de desabafos e efervescência.
Os descalabros na administração carioca e fluminense justificariam ações
políticas e sanções judiciais. Não a baderna que se viu. A tentativa de invasão
de uma das dependências da Rede Globo lembra os empastelamentos das redações e
oficinas de jornais no passado. Existem maneiras mais democráticas de discordar
e exercer a crítica ao desempenho da imprensa.
Palavra-chave
Estamos assistindo a uma escalada totalitária,
esta é a verdade. Em junho as marchas eram geralmente pacíficas, às vezes
desvirtuadas pela ação de gangues infiltradas na multidão. Agora, as investidas
são ostensivamente destruidoras, violentas. A surpreendente constatação da
Secretaria de Segurança do Rio de que não está preparada para lidar com os
protestos não é apenas um estímulo para ataques mais estúpidos, é também um
convite às forças armadas para manter a ordem e a segurança pública quando
parecerem ameaçadas.
O quadro é preocupante, não reconhecê-lo só
favorece o clima de desentendimento e desagregação num momento em que a
conjuntura econômica e a situação internacional se mostram tão adversas. A
portentosa obra de engenharia chamada Base Aliada – em nome da qual se
cometeram tantos desatinos – racha e se fragmenta a cada dia. O PMDB está
confirmando os temores de que, ao menor sinal de perigo, pularia do barco. É a
sua maestria, identidade: partido de náufragos e sobreviventes.
Com o seu faro para ocupar todos os
espaços, o ex-presidente Lula reapareceu na Hora H e finalmente rompeu o
silêncio: não deixará Dilma Rousseff sozinha, estará nos palanques ao seu lado.
É uma ótima notícia, inclusive para os adversários. Quando apelou aos jovens
que o ouviam para não negarem a política (mesmo quando estiverem indignados com
Dilma ou com ele), Lula estava falando em democracia.
Democracia é a palavra-chave, a bandeira
esquecida que precisa ser urgentemente desfraldada para dar sentido às mudanças.”
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