Emissora é
constantemente atacada pela
população com o
conhecido bordão:
"Fora Rede
Globo, o povo não é bobo"
|
“Documentos indicam que empresa tem dívida
de ao menos R$ 615 milhões com a Receita. Emissora diz ter quitado débitos, mas
não mostra comprovante. Fisco mantém sigilo. MP aguarda informações
A Globo Comunicação e Participações, um dos
braços da corporação midiática da família Marinho, negou-se hoje (1°) a
responder às perguntas da RBA sobre as denúncias de que estaria carregando,
desde 2002, uma dívida de R$ 183 milhões com a Receita Federal. Corrigido para
valores atuais, e somados às multas e juros por sonegação de impostos, os
débitos da empresa com o Fisco alcançariam mais de R$ 1 bilhão. Em 2006, quando
a Receita concluiu processo de investigação tributária contra a emissora, esse
montante já havia ascendido a R$ 615 milhões.
Na tentativa de esclarecer a história,
revelada pelo blogue O Cafezinho, do jornalista carioca Miguel do Rosário, a
reportagem entrou em contato com a CDN Comunicação, empresa que presta serviço
de assessoria de imprensa para a emissora. "A Globo Comunicação e
Participações esclarece que não existe nenhuma pendência tributária da empresa
com a Receita Federal referente à aquisição dos direitos de transmissão da Copa
do Mundo de Futebol de 2002", disse, em nota. "Os impostos devidos
foram integralmente pagos."
De acordo com os documentos revelados pelo
blogue, porém, "foi constatado que a TV Globo Ltda. adquiriu direitos de
transmissão dos jogos da Copa do Mundo de 2002 – o que ensejaria a tributação
pelo imposto de renda na fonte – disfarçados sob a forma de investimentos em
participações societárias no exterior". O relatório da Receita Federal
continua, detalhando que a empresa da família Marinho teria recorrido a um
paraíso fiscal para "omitir declaração ou prestar informação falsa às
autoridades fazendárias", o que configuraria crime contra a ordem
tributária.
"A TV Globo, para não recolher imposto
de renda na fonte devido pelo pagamento, ao exterior, em razão da aquisição do
direito de transmissão, por meio de televisão, de competições desportivas,
adquire, em aparência, uma pessoa jurídica com sede nas Ilhas Virgens
Britânicas", revela o documento. "No entanto, menos de um ano depois,
a sociedade é dissolvida e seu patrimônio vertido para que a TV Globo obtivesse
a licença que a permitiria transmitir os jogos da Copa do Mundo de 2002, que
foi o que, em verdade, acontecera."
Versões
Apesar de negar a existência de dívidas com
a Receita Federal, a emissora reconhece a existência da investigação
tributária. "Todos os procedimentos de aquisição dos direitos pela TV
Globo deram-se de acordo com as legislações aplicáveis, segundo nosso
entendimento. Houve entendimento diferente por parte do Fisco. Este
entendimento é passível de discussão, como permite a lei, mas a empresa acabou
optando pelo pagamento."
Essa mesma versão
já havia sido publicada pelo portal de notícias UOL no último sábado (29).
Porém, ontem (30) o blogue O Cafezinho trouxe novas
evidências que contradiriam a nota oficial da Globo: um link da Receita
Federal por meio do qual é possível consultar processos em curso na
instituição. Ao inserirmos o número do processo contra a Globo, aparece a
mensagem de que a situação está "em trânsito". De acordo com Miguel
do Rosário, blogueiro autor da acusação, isso significaria que a dívida não foi
paga.
"Se pagou, então mostra o Darf",
sugere. O Documento de Arrecadação de Receitas Federais, o Darf, é um
demonstrativo que comprova o pagamento de dívidas tributárias das empresas
brasileiras com a União.
Por isso, a RBA insistiu em acionar a CDN
Comunicação uma segunda vez para pedir um posicionamento da Globo diante dos
novos fatos. Se a Globo efetivamente pagou suas dívidas com a Receita, como
atesta a nota, requisitamos informações sobre o valor desse pagamento. Quanto
foi desembolsado pela emissora: R$ 183 milhões? R$ 615 milhões? Mais de R$ 1
bilhão?
A reportagem pediu ainda que a Globo se
posicionasse sobre as "novas evidências" divulgadas pelo blogue – ou
seja, a de que o pagamento ainda não fora registrado pelo sistema da Receita.
Finalmente, questionamos se a empresa estaria disposta a mostrar o comprovante
do pagamento. "A Globo só tem mesmo essas informações que eu te passei.
Não daremos mais esclarecimentos sobre o assunto", respondeu, por
telefone, o assessor responsável.
Autoridades
Junto à Procuradoria da República no Rio de
Janeiro, a RBA soube que a investigação da Receita Federal sobre os supostos
crimes tributários cometidos pela Globo fora iniciada a pedido do Ministério
Público Federal (MPF) entre 2005 e 2006. O procurador responsável, que se
recusou a atender a imprensa, não se lembra exatamente da data em que
encaminhou ofício ao Fisco, mas revelou, por meio de assessoria, que tomou a
iniciativa após inteirar-se das irregularidades fiscais da emissora durante uma
audiência pública.
"Atualmente, o MPF acompanha a
tramitação interna do caso na Receita Federal e encaminhou ofícios para a
Receita pedindo informações sobre o pagamento integral da dívida", afirmou
a instituição, em nota. Apenas
quando estiver munido dessas informações é que o procurador fará declarações à
imprensa. Caso o pagamento tenha sido realmente efetivado, o MPF adianta que
não caberá instauração de inquérito criminal, uma vez que a infração se acaba
imediatamente após a quitação da dívida.
O Ministério das Comunicações foi
questionado pela reportagem sobre as supostas dívidas tributárias da Globo, uma
vez que a emissora opera uma concessão pública do Estado brasileiro. "No
momento da renovação da concessão, que para emissoras de TV ocorre a cada 15
anos, as empresas de radiodifusão precisam comprovar que estão regulares junto
à Receita Federal", argumentou, em nota, informando que a conessão da
Globo foi renovada em 30 de abril de 2008. "Caso seja constatada a
existência de pendências no momento da renovação, o Ministério das Comunicações
adotará medidas cabíveis."
Procurada pela RBA, a Receita Federal
negou-se a prestar qualquer informação sobre o caso, alegando que todos os
processos sobre irregularidades tributárias tramitam sob sigilo fiscal. A
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), que nos
últimos 12 anos repassou ao menos R$ 5,86 bilhões em verbas publicitárias
oficiais à emissora da família Marinho, também foi questionada sobre as dívidas
tributárias da Globo. Contudo, não enviou nenhuma resposta.
Protestos
Na quarta-feira (3), o Centro de Estudos da
Mídia Alternativa Barão de Itararé realiza em conjunto com movimentos sociais
um protesto em frente à sede da emissora, no Rio de Janeiro. Batizada como
"Ocupe a Rede Globo", a manifestação está sendo divulgada pelas redes
sociais e já conta com a adesão de aproximadamente duas mil pessoas no
Facebook. Dois fatos motivaram a convocatória, de acordo com os organizadores.
"Nesse clima de manifestações que
tomou o país, tínhamos visto necessidade de fazer assembleia popular de rua
para discutir a democratização das comunicações no Brasil", explica
Theófilo Rodrigues, um dos coordenadores do Barão de Itararé na capital
fluminense. "Escolhemos a sede da Globo como local simbólico para
demonstrar a necessidade de um projeto de lei que institua um novo marco
regulatório da mídia."
Outra razão para o protesto, continua
Rodrigues, são os crimes contra a ordem tributária cometidos pela emissora. "Estamos
protocolando pedido de investigação no Ministério Público", anuncia.
"É muito grave assistir a uma concessão pública sonegando quantias tão
grandes de impostos. Porém, o maior problema não é a sonegação fiscal em si,
mas a sonegação de informações constantemente praticada pela emissora."
A ideia de uma manifestação semelhante na
sede da Globo em São Paulo
também havia sido ventilada durante a assembleia popular realizada na última
terça-feira (25), na Avenida Paulista. Os organizadores, no entanto, resolveram
adiar o protesto para o próximo dia 11, mesma data escolhida pelas centrais
sindicais para uma grande mobilização nacional. A CUT é uma das entidades que
integram o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).
"Em vez do protesto na Globo, faremos,
na quarta, uma série de aulas públicas no vão do Masp para discutir a cobertura
midiática das manifestações e como ela acabou influenciando no processo de
mobilização", explica Pedro Ekman, membro do Coletivo Brasil de
Comunicação Intervozes. "Faremos ainda uma manifestação-relâmpago sobre
regulamentação do novo marco civil. O problema não é só econômico, ou seja, a
forma como grandes empresas de mídia obtêm vantagens financeiras em função de
seu poderio: é um problema de democracia, de monopólio do discurso. É uma questão
política."
Comentários