A prostituta platinada

Eis que a nossa Vetusta atriz passou a receber propinas mais polpudas e convites indecorosos e, rapidamente, passou a ser chamada de "a deusa platinada", a prostituta de prata que se deitava com aquele que melhor pagasse seu peso em ouro

Lula Miranda, Brasil 247

Numa das calçadas das ruas do centro da fabulosa Nenhures(*) expunha-se, de modo despudorado, aquela criatura "escultural". Era Vetusta, uma atriz amadora de teatro, de talento questionável, que ganhava alguns trocados posando como estátua-viva no centro decadente daquela cidade candente, feérica.

Vestia-se com roupas e um longo manto prateados; pintava a pele com uma tinta brilhante, também na cor prata. E ficava ali numa pose estática, por minutos que escorriam preguiçosos como se fossem horas, até que alguém colocasse uma moeda, ou, quem sabe, uma cédula de menor valor, num vaso feito de papel machê que imitava uma ânfora de prata.

Quando então, ato contínuo, mexia-se e soltava um beijo estalado estendendo as mãos em concha para entregar, com gestos delicados, um pequenino papel aos passantes onde se podiam ler singelos poemas ou mensagens "edificantes" tais como: "O amor vale mais que a prata; vale mais que o ouro".

Pois essa frase "lapidar", longe de lhe parecer um lugar comum de gosto duvidoso, serviu-lhe como suposta e inarredável crença, como um "impulso poético". O que em verdade viria se revelar uma espécie de farol maldito, uma sina, algo que viria a lhe iluminar os (des)caminhos e selar o seu destino: O amor vale mais que a prata; vale mais que o ouro.

Ah, a sedução... O valor da sedução!

Quanto vale o amor? Quando vale a verdade para além daquela sua fantasia prateada? Nunca havia lhe ocorrido fazer perguntas como essas.

Aos olhos de alguns passantes, aquela mulher ali, pintada de prata, mais parecia um fetiche, um objeto do desejo. Eis que a nossa Vetusta atriz passou a receber propinas mais polpudas e convites indecorosos e, rapidamente, passou a ser chamada de "a deusa platinada", a prostituta de prata que se deitava com aquele que melhor pagasse seu peso em ouro.

Mas ela não perdeu a pose "escultural" dos tempos de estátua ou de atriz. Tampouco deixou de se vestir com roupas "de prata" e de tingir a pele com maquiagem da mesma cor. Supunha que o fulgor da sua majestade prateada lhe daria, como sempre até então, uma aura de poder que sempre desejara.

Deitou-se com militares. Deitou-se com empresários. Deitou-se com religiosos. Deitou-se com magistrados. Deitou-se com políticos. Deitou-se com a hipocrisia.

Fulgurante, encantadora, jovial a todos seduzia e servia. Sem sequer se dar conta, perdera completamente seu propósito inicial de ser uma artista; de servir à arte.

Desencaminhara-se completamente e agora servia apenas aos interesses daquele que melhor lhe pagasse.

Assim selou-se o seu destino. Assim costurou a sua fortuna e o infortúnio de muitos.

Tal criatura ainda pode ser vista por aí, impávida, impoluta e ainda desejada por alguns incautos, respeitada e cortejada pelos poderosos de sempre, a quem sempre serviu como uma gueixa, com sua fantasia prateada, de gosto duvidoso.

Mas, já sem o "Ibope" de antanho, hoje poucos a procuram. Alguns já até lhe gritam impropérios nas ruas.

Sim, hoje, aos olhos de muitos, tornou-se apenas uma criatura caquética, grotesca e decadente, com seus risíveis espetáculos de cabaré ordinário.
Tornou-se apenas uma prostituta platinada esquecida nas ruas lúgubres e sombrias do baixo meretrício de Nenhures.

(*) Nenhures é uma cidade-país de caráter "fabuloso". Lugar inexistente criado(a) pelo autor, inspirado, possivelmente, na Macondo, fantástica aldeia de Cem Anos de Solidão.

N.A.: Qualquer semelhança com fatos ou pessoas reais terá sido mera coincidência.”

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