Tratar a todos com
respeito e buscar o
diálogo trarão
mais benefícios do que
o enfrentamento
irracional
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Os recentes protestos não deveriam ser razão de tanto espanto, a ponto de causar reações indignadas vindas de setores mais conservadores ou mesmo acomodados da sociedade brasileira (tão pouco acostumadas a manifestações cidadãs de revolta e rebeldia).
Nesse sentido estivemos durante muitos anos - aliás, desde o estabelecimento da ditadura - desacostumados a grandes demonstrações civis de descontentamento generalizado.
Com exceções de algumas delas cobertas de consenso como as Diretas Já ou o Fora Collor, as concentrações estiveram sempre ligadas a setores específicos como greves de professores, metroviários que atuavam especificamente nas questões salariais e melhorias nas condições de trabalho.
Muito diferente é quando surgem nas telas da tevê milhares de pessoas em marcha pelas principais avenidas de São Paulo acompanhadas de imagens de lixos revirados, vidraças quebradas e cabines policiais incendiadas. Parece o fim dos tempos.
A clara distorção ao não mostrar o outro lado contribui para que muitos tenham a sensação de estarmos cercados de baderneiros.
A verdade nesses tempos de smartphones, facebooks e comunicações instantâneas não tardam a aparecer e derrubar os argumentos de mídias conservadoras que insistem em colocar os manifestantes na fácil alcunha de “vândalos”, “baderneiros sem causa” e outras adjetivações, inclusive de baixo calão.
Na vã tentativa de criar uma realidade paralela baseada em condomínios fechados, carros blindados e saúde privatizada, a nossa pretensa elite tenta se manter distante e alheia à construção de uma sociedade mais equilibrada, justa e sustentável.
Os espaços públicos que deveriam servir a todos acabam sendo paulatinamente “roubados” da sociedade em nome do progresso ou abandonados e deteriorados. Parece que às nossas autoridades será melhor que as pessoas frequentem os paraísos de compras, os conhecidos shopping centers, do que passar um belo domingo de sol em parques e praças públicas. No lugar da integração fica a exclusão com todo o mal que trás as relações sociais.
Mas as inúmeras manifestações que vêm ocorrendo em todo o mundo, pelas mais diversas razões, carregam em seu íntimo o inconformismo de muitos pelo direito à liberdade de expressão. E aqui não poderia ser diferente, mesmo que tivesse demorado a chegar.
Os problemas das metrópoles brasileiras estão aí expostos para quem quiser ver e é praticamente impossível negá-los: dificuldades de mobilidade cada vez maiores (incentivo ao uso e compra do automóvel em detrimento do transporte público); deterioração de bairros e regiões inteiras (em nome da especulação imobiliária); falta de segurança; a ausência, enfim, de políticas públicas que busquem efetivamente contemplar a maior parte da população e só faz agravar as consequências dos desequilíbrios.
Os jovens e os não tão jovens que decidiram agora ocupar os espaços públicos estão resgatando o óbvio: em primeiro lugar, o direito inalienável de se manifestar. Já a nossa polícia, ainda sob os resquícios de tempos tristes e obscuros, demonstra não estar preparada para receber a incumbência de proteger os manifestantes, mas de reprimi-los a todo custo, pois em sua formação militar o espaço público possui a mera função de se manter livre e desimpedida, apenas para a circulação, o fluxo “ordeiro” determinado por seus superiores.
Quando milhares de pessoas tomam as ruas,
nossos policiais passam a encará-los como verdadeiros combatentes inimigos, uma
turba selvagem a corromper a ordem e o progresso. Entre esses “adversários do
mal” também se encontram jornalistas como o colega desta CartaCapital, Piero
Locatelli, preso por de portar uma poderosa e ameaçadora garrafa de vinagre.
Assim como em outros países, as
manifestações só estão começando.
Os tais 20 centavos de aumento para um
transporte público de má qualidade foi apenas o estopim para outras, que
certamente virão.
Nossas autoridades, antes de condenar
alguns poucos atos de pretenso “vandalismo”, devem estar atentas às
reivindicações e priorizar o interesse coletivo. Tratar a todos com respeito e
buscar o diálogo trarão mais benefícios do que o enfrentamento irracional.”
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