O presidente
nacional do PT, Rui Falcão
/ Fábio Rodrigues
Pozzebom/Agência Brasil
|
“Para o presidente do PT, as manifestações
abrem campo para discutir a reforma do sistema eleitoral
Na quarta-feira 19, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, publicou uma nota para convocar a militância petista a aderir aos protestos que tomavam as ruas do País. “Não podemos permitir que o movimento possa ser capturado por pautas criadas pela direita, pautas artificiais induzidas por uma certa mídia”, justificou, em entrevista a CartaCapital. Durante os protestos, partidários e demais manifestantes entraram em conflito por conta das bandeiras ostentadas nos protestos; os primeiros foram chamados de "oportunistas". A seguir, Falcão explica as suas razões e defende os governos de coalizão liderados por seu partido, também alvos das ruidosas e turbulentas manifestações.
CartaCapital: Por que o PT decidiu convocar a militância para as ruas?
Rui Falcão: O PT já participava das manifestações desde o início, por meio da sua juventude. Nós temos juventude organizada, no nível municipal, estadual e nacional. As manifestações se dirigiam para a questão da qualidade do transporte, mas também refletem aspirações da juventude com relação ao espaço urbano. Só que a repressão policial em São Paulo, na quinta feira 13, fez com que houvesse uma adesão maior aos protestos, e o partido agora procura orientar a nossa militância a prestar solidariedade. Ao mesmo tempo, não podemos permitir que o movimento possa ser capturado por pautas criadas pela direita, pautas artificiais induzidas por uma certa mídia. Queremos estar lá agora com as nossas bandeiras, com as nossas estrelas, como os outros partidos o fazem e têm todo direito de fazer.
CC: Mas só agora, após três semanas de protestos?
RF: Inicialmente, o foco era São Paulo, e as nossas instâncias municipal e estadual se manifestaram claramente. Logo no segundo dia, teve uma nota da Executiva Municipal, da Juventude do PT. Você pode ter notado uma maior visualização de militantes de outros partidos, mas o núcleo do Movimento Passe Livre, boa parte deles são eleitores do prefeito Fernando Haddad. Não têm filiação partidária, mas são simpatizantes do PT. Havia certa resistência, no início, à ostentação de bandeiras partidárias. Nós não queríamos passar uma ideia de aparelhamento. Agora o cenário é outro, há liberdade para a participação de todos.
CC: Como o senhor avalia esse movimento?
RF: Como eu tenho dito, o PT não tem medo de povo nas ruas. Isso é um sinal muito claro de dois fenômenos. Primeiro, o fortalecimento da democracia no nosso país, que acelerou bastante nos últimos dez anos. Segundo, resultado também de várias conquistas que a população pôde assegurar nesse período, graças aos governos Lula e Dilma, e essas conquistas fazem com que surjam novas demandas. Isso é positivo. Toda vez que você alcança um determinado patamar de direitos, você quer conquistar novos direitos. O outro fato positivo que eu vejo nas manifestações é esse repúdio à violência policial.
CC: Mas o prefeito Fernando Haddad e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, ambos do PT, chegaram a defender a atuação da polícia paulista, não é mesmo?
RF: O que a polícia deve combater, e fez residualmente, é a ação de provocadores, de vândalos, daqueles que depredam patrimônio público. Mas não reprimir aqueles que estão se expressando livremente, de forma democrática e pacífica. No caso de São Paulo, a polícia atingiu até aqueles que não estavam se manifestando, agrediu jornalistas no exercício de sua profissão. O prefeito Fernando Haddad, quando houve a repressão na quinta-feira 13, se manifestou contra. O ministro José Eduardo Cardozo também se manifestou, tanto que foi alvo de críticas por parte do senador Aloysio Nunes Ferreira, do PSDB, por parte de um secretário do governo Alckmin, dizendo que aquelas críticas eram eleitoreiras, Cardozo as fazia porque supostamente seria candidato a governador do estado. Haddad, como a maioria da população, condenou a violência policial. E o ministro da Justiça também. Em alguns lugares, como o Paraná, o governo do estado pediu o envio da Força Nacional para lá. O ministro tem a obrigação de colocar as tropas federais à disposição dos governadores.
CC: Nos últimos protestos, militantes de partidos políticos foram hostilizados por outros manifestantes, sobretudo os do PT. Até a sede nacional do partido foi alvo de depredações.
RF: Houve uma caminhada em direção à Praça da Sé e a sede do PT está no caminho. Aqui, fomos vítimas da ação de vândalos mesmo. Não foi de nenhum participante da luta pela redução da tarifa, nem do Movimento Passe Livre, tampouco, como se insinuou, do PSTU, do PSOL, ou outro partido. Eles inclusive fizeram questão de nos procurar para esclarecer isso. O ranço antipartidário é um componente negativo, antidemocrático. Alguns manifestantes enxergam a política eleitoral como um sistema falido, esgotado. Para nós, isso abre campo para discutir a reforma do sistema eleitoral, e já estamos nas ruas em campanha para isso. Defendemos bandeiras como o financiamento público e exclusivo de campanhas políticas, o que inibe a força do poder econômico e ajuda a combater a corrupção.
CC: A que o senhor atribui essa insatisfação dos jovens que saem às ruas?
RF: Quando você, por meio de políticas públicas e da luta social, muda uma sociedade, muda um país, cria condições das pessoas se expressarem mais, terem mais acessos a serviços, a bens de consumo. Cria-se outro patamar de demandas. Hoje, por exemplo, a Bolsa Família é tida como uma conquista irreversível. Ela está dada, como está dado o salário mínimo, criado há mais de 50 anos. Ninguém vê isso como uma conquista hoje. Como a nossa presidenta já expressou várias vezes, é o momento de melhorar a qualidade dos serviços públicos. Depois da ascensão social de 40 milhões de brasileiros, de reduzir significativamente a miséria extrema, de permitir o acesso de milhões de jovens a universidades, de reduzir drasticamente o déficit de moradias, as exigências cresceram. É bom que isso ocorra. A sociedade quer avançar mais. É natural querer isso de imediato. Mas nem sempre as condições do orçamento, da correlação de forças nas instituições no Congresso, permite esse avanço imediato. O que não pode ocorrer é a desordem, a baderna, o vandalismo, em meio a manifestações legítimas como foram essas, em defesa a um transporte público de qualidade.
CC: A prefeitura de São Paulo é do PT agora...
RF: A tarifa é um aspecto do transporte. No caso de São Paulo, há um programa de melhoria do transporte. Há oito anos, não tem um corredor na cidade. Muitos carros entraram em circulação. Marta Suplicy deixou a prefeitura com a velocidade média do transporte coletivo em 20 quilômetros por hora, hoje é 12. A qualidade caiu muito. Como melhorar a qualidade? Com investimentos no metrô, no VLT, na ampliação das linhas, na duplicação das vias, na abertura de novos corredores. Tudo isso está no programa de governo do Haddad. Será realizado, mas não em seis meses. Para fazer a duplicação da estrada do M'Boi Mirim, leva um ano e meio.
CC: O governo federal tem sido duramente criticado nas ruas por suas alianças com partidos conservadores, pelo recuo em pautas como a regulamentação da mídia ou a demarcação de terras indígenas, pelo distanciamento dos movimentos sociais...
RF: O partido tem uma posição clara de defesa da regulamentação da mídia. O governo tem uma avaliação diferente. É direito dele, o governo não é só do PT. Defendemos a reforma política, uma maneira de ficar menos dependente de certos compromissos. Temos um setorial indígena. Vamos promover agora um seminário para discutir a questão indígena e propor sugestões para o governo de como conduzir as demarcações.
CC: O PT está sendo engolido por suas alianças?
RF: De forma alguma. Não cedemos em nenhuma questão de princípio, não cedemos em nenhuma questão programática. Não realizamos amplamente o nosso programa, mas isso não significa nem retrocesso nem concessão de princípios.
CC: É tudo o que pode ser feito por um governo de coalizão?
RF: Temos feito mais do que os governos de coalizão que nos precederam. Muito mais. Tenho a convicção de que, nos últimos 10 anos, os governos de coalizão liderados pelo PT fizeram muito mais pelo Brasil do que todos governos anteriores fizeram.
CC: O PT também é alvo de críticas por ter concedido, na Câmara, a comissão de Direitos Humanos.
RF: Primeiro, o PT não é dono de tudo nem era titular exclusivo dessa comissão. O PCdoB já teve a presidência dessa comissão. Segundo, não foi o PT que cedeu espaço na distribuição entre as forças partidárias para que o PSC pudesse ter acesso a uma comissão. Terceiro, havia uma demanda muito grande dos próprios movimentos ligados a direitos humanos para que o PT passasse a ocupar a presidência da comissão de Saúde e Seguridade Social, que é uma comissão terminativa. A comissão de Direitos Humanos não é terminativa. Portanto, temas como Estatuto do Nascituro, o projeto da cura gay, todos esses projetos são terminativos na comissão de Saúde e Seguridade Social. Não podendo ter presidentes em todas as comissões, tivemos de fazer escolhas. Ninguém tem dúvida quanto às posições do PT na área de Direitos Humanos. Se for preciso fazer um bloqueio na comissão de Saúde e Seguridade Social, como entendo que vá ocorrer quando chegar o projeto da cura gay, será feito. Mas era importante ocupar a comissão de Economia, de Constituição e Justiça. Há quem diga que a comissão de Direitos Humanos tinha um caráter simbólico. Mas o Parlamento não funciona com símbolo, e sim com voto, com resultado efetivo. Podem nos acusar de pragmatismo, mas é estratégia.”
Comentários