“O procurador-geral não se apega à lei, e
sim às suas convicções políticas
“Roberto Gurgel, o mais controvertido dos procuradores na
história da República, tomou e toma decisões que marcaram e marcarão de forma
melancólica o desfecho do mandato dele na Procuradoria-Geral em agosto.
Uma dessas decisões, a mais recente, é o fato de
Gurgel ter mandado para as profundezas do arquivamento a ação que envolve os
senadores Randolfe Rodrigues (PSOL) e João Capiberibe (PSB). Ambos, em
tese, da base governista. Na prática, não.
Gurgel, ao contrário de Geraldo Brindeiro, que
engavetava tudo que o governo FHC queria engavetado, tem ido muito além do
engavetar ou desengavetar. Ele deu clara noção de sua orientação política.
Há outras diferenças. Fiquemos, por enquanto, no fato
de que o procurador-geral ora desengaveta, ora engaveta. Engavetou, por
exemplo, o caso citado acima.
O episódio ocorreu em 1999, quando Randolfe era
deputado estadual e Capiberibe, governador do estado. Nesse período, conforme
denúncia feita por Fran Soares Junior (PP), Randolfe teria recebido dinheiro
além do salário regulamentar para votar projetos de interesse do governador. Há
conversas gravadas, periciadas, entre Capiberibe e o deputado João Brandão, com
menção clara sobre isso.
Randolfe, a única flor do PSOL no Jardim do Senado,
nega tudo. E justifica alguns recibos que assinou. Não justifica todos ou tudo.
Há recibos, assinados por Randolfe, reconhecidos como legais por análise feita
pelo perito Ricardo Molina. Há também gravações em áudio, periciadas, que
reforçam a denúncia.
Se fosse possível admitir dúvidas em favor de
Randolfe, seria impossível engolir o arrazoado de Gurgel que conduziu a
representação para o arquivo sob a alegação de que os fatos narrados na
representação “são inverídicos”.
Eis algumas razões em contrário:
– Não houve montagem dos áudios.
– O procurador-geral faz “exercício
argumentativo” para deduzir que “a representação noticiou fatos
inverídicos”. Também faz descaso das provas apresentadas, indiferente ao
fato de que só a perícia pode averiguar a veracidade da prova técnica.
– Gurgel foi além de sua competência. O
Ministério Público analisa as questões de direito. As de fato competem
exclusivamente a peritos.
– A acusação diz que não apresentou todos os
recibos assinados por Randolfe, porque teriam sido recolhidos pela Polícia
Federal. Gurgel poderia averiguar. Oficiaria à PF sobre os recibos e, se
existissem, os submeteria a exame pericial.
Gurgel navega orientado por bússola política e com a
frieza de um frade de pedra. É possível perceber a linha que norteia as
decisões que toma. Não é uma linha reta. Bem avaliada, nota-se, porém, como é
definida. Por isso é possível supor que, só aparentemente, a decisão beneficia
Randolfe e Capiberibe. O arquivamento, falho e apressado, mantém sobre os dois
um incômodo ponto de interrogação.
Gurgel não é profissional descuidado. Ele sempre sabe
o que faz.”
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