Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação
“Se Joaquim Barbosa quer
pronunciar-se como um cidadão comum deve, antes de mais nada, transformar-se em
um cidadão comum, despir-se da toga de super-herói que a mídia lhe vem
conferindo , renunciar ao cargo de ministro do STF e, aí sim, deitar falação
sobre o que lhe venha à cabeça, enfrentando , é claro, eventuais reações
daqueles que considerem que “quem tem telhado de vidro não joga pedras no
telhado do vizinho”.
Na condição de advogado
bissexto, bancário aposentado e professor ainda atuante, julgo-me no
direito cidadão de opinar sobre os que me representam nos três poderes
constituídos da República. No exercício democrático, não só posso, como devo,
manifestar-me criticamente sobre o que considere deslizes das três áreas
– Executivo, Legislativo e Judiciário - , principalmente nos momentos em que
vislumbro agressões à cidadania. Como eu, qualquer brasileiro possui esse
direito e deve mesmo refletir sobre se o tem ou não exercido de forma
efetiva.
Joaquim Barbosa é um brasileiro e,
portanto, também detém tal prerrogativa. Essa parece ser uma verdade
indiscutível. Mas é também verdade que a sustentação republicana passa, sabemos
todos, pela independência entre os três poderes. E eles têm funções claramente
previstas na nossa Constituição, de tal forma que um não pode nem deve
interferir na atuação de outro, a não ser quando chamado a isso, em função de
suas atribuições. Não é por outra razão que se vem criticando, no nosso cenário
político, esse indesejável tipo de interatividade entre o poder executivo
e o legislativo , em um jogo de interesses que inclui a malfadada palavra
“governabilidade”, fundada em forças políticas heterogêneas, onde a unidade
ideológica passa longe, até porque a ideologia de alguns é não ter qualquer
princípio ideológico.
Joaquim Barbosa declarou, em uma palestra
para estudantes – a que foi convidado não pelos seus belos olhos, mas pelo
prestígio granjeado na condição de Presidente do STF – que o Brasil tem
partidos “de mentirinha” e que o legislativo é “inteiramente dominado” pelo
Executivo”. Aqui, antes de prosseguir, lembro que, tempos atrás, o então
metalúrgico Lula mencionou a existência de 300 picaretas no Congresso. Logo, a
frase do ministro sobre a “mentira legislativa” está longe de revestir-se de
originalidade ou de modernidade. Outra observação é a de que há quem pense que
não é o Executivo que domina o Legislativo, mas o contrário, o que
obriga a presidenta Dilma a conviver, para poder governar, com o
fisiologismo e as diversas “bancadas” representativas do pensamento retrógrado
do país... Não fosse esse “domínio” dos partidos, que agora se pretende ver
quantitativamente aumentado - casuisticamente (como sempre)
-. talvez os brasileiros estivessem hoje vivenciando muito
mais êxitos na luta contra as desigualdades do que os tantos já obtidos
nos últimos anos.
De qualquer forma, meu intuito aqui não é
discutir as teses do presidente do STF, mas de verificar, com espanto – e algum
temor – que os cidadãos brasileiros da elite, na sede permanente de opor-se ao atual
governo , não percebem a brecha que se pode abrir na democracia quando o
titular de um dos três poderes, do alto do seu repentino prestígio, resolve
desancar um segundo poder (aliás, por tabela, também um terceiro).
Fala-se muito de uma aspiração que o
ministro acalentaria de vir a ser candidato à Presidência da República. Não
creio que seja assunto para agora. Mas o que minha consciência impõe é
questionar, coerente com tudo o que penso da cidadania, a postura
do presidente do STF. Não porque eu acredite na “verdade” de nossos
partidos políticos, nem porque possua uma inocente posição
otimista em relação aos nossos infelizes legisladores. O que penso é que é
inadmissível o titular de um poder (que deve ter isenção para
julgar assuntos que envolvem outros poderes) vir, de público. fazer
declarações que estimulem a instabilidade institucional e, de quebra, o
pensamento golpista e democraticamente incivilizado.
Se age assim, Joaquim Barbosa não pode
insurgir-se quando é acusado de estar fazendo um perigoso jogo político, com
presumíveis objetivos eleitorais. Apresentando-se, diante dos holofotes da
mídia, quase como o único defensor da dignidade e honradez, ele dá margem
a que se coloque em dúvida as intenções e a validade de suas ações, a começar
pelo denodo e obstinação quase sagrada em condenar os réus do mensalão. Aqui e
ali, aliás, já começam a surgir, nas redes sociais – sempre nelas, porque a
mídia tradicional envergonha os seus desígnios – fortes indícios de falhas
jurídicas ocorridas no julgamento da ação 470. Aqui e ali, já se pergunta
porque ele abriu mão da relatoria no mensalão “tucano” (origem do que foi
julgado). Aqui e ali, está vindo à baila a constatação de que não teria havido,
no caso do mensalão, o tão propalado desvio do dinheiro público. E aqui e ali,
já se nota uma retomada do furor midiático no sentido de “pautar” os ministros
do STF no julgamento dos recursos que vêm aí. É que já se percebe, claramente,
o fundamento legal de muitos deles.
Creio que, neste momento, mesmo tendo
formulado um juízo crítico sobre o legislativo que corresponde ao pensamento de
muitos brasileiros, o presidente do STF deve posicionar-se como magistrado
maior, sobrepondo os interesses do país aos seus interesses pessoais.”
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