Os ministros do Supremo e a suprema arrogância


O "fisiognomismo", parente antigo das teorias de Lombroso, foi uma pretensa ciência que tentava descrever, pelos traços do rosto e do crânio, a personalidade das pessoas. Alguns fatos envolvendo os ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa parecem insistir nas reminiscências de alguns "fisiognomistas".

Enio Squeff, Carta Maior

Difícil adivinhar, pelo retratos que nos foram legados, como era a personalidade de Napoleão Bonaparte. Os artistas retratistas mais competentes de seu tempo, - Gross e Davi - ainda que tenham se esmerado na composição da fisionomia do grande militar, deixaram quase apenas esfinges. Que era difícil saber o que pensava o homem, seus inimigos mais atilados o atestam. De repente, o que pareceria uma fraqueza, era o gesto definitivo de uma manobra impensável e genial. O fato determinou muitas teorias; a mais ousada cobriu-se de ridículo com o tempo. Foi o "fisiognomismo", parente antigo das teorias de Lombroso, uma pretendida ciência que tentava descrever, pelos traços do rosto e do crânio, a personalidade e não menos, o que ia por dentro até dos assassinos mais soezes. Por aí, não dá realmente para chegar a algumas personalidades brasileiras, como a dos ministros Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa. Mas os fatos parecem insistir nas reminiscências de alguns fisiognomistas.

Joaquim Barbosa brindou o Brasil, num episódio flagrado pela TV, com o dedo em riste, dizendo de Gilmar Mendes que se serviria de jagunços. Ao afirmar a seu colega que "não era seu capanga"e que ele que se mantivesse em seu devido lugar, o ministro Joaquim Barbosa tentou uma definição - ou um julgamento qualificativo, não se sabe, - que faria vibrar talvez um fisiognomista do século XIX: as palavras de Barbosa, apontando para o todo de seu colega, a ostentar o queixo proeminente, o lábio inferior quase em muxoxo, traços visíveis do ministro Gilmar Mendes, sem dar tento a outros qualificativos, aduziria aos fisiognomistas o que eles tentariam comprovar. A fisionomia - sem g"" - do eminente ministro seria a prova evidente de um mandonismo incontornável, de alguém acostumado a não ter suas idéias contrariadas. Daí - segundo o ministro Barbosa - a acusação de se valer de sequazes. Não foi o fisiognomismo que animou o hoje presidente do STF, mas antes, a sua fúria, paralela, por sinal, a de seu colega: ele também tem o queixo proeminente, e não gosta de contraditórios.

Nada de fisiognomismo, portanto. Mas os rostos contrariados dos dois grandes homens da lei, incitam a muitas fantasias. O ministro Joaquim Barbosa exibe uma catadura que deve ser difícil de enfrentar. Imagina-se um funcionário do condomínio do edifício, ou da casa, onde mora Sua Excelência. O funcionário já o saberia um homem certamente colérico. Não se imagina, a propósito, que o ministro Joaquim Barbosa peça licença ou se sinta na obrigação de ser delicado com o comum dos mortais. Deve despertar muito temor aos que o servem. E se pode imaginar que, ao assistir as incontáveis horas em que o ministro vociferou diante das câmeras de TV, deve ter concluído, como qualquer mortal, que seus receios diante de tão proeminente figura, sempre foram condizentes com a realidade do olhar feroz que não hesita, com raiva, à menor contrariedade. Já do seu eventual desafeto, o ministro Gilmar Mendes - sabe-se que, de fato, faz parte de uma família poderosa em Goiás; e o ministro Joaquim Barbosa talvez tenha se referido a isso, ao alertá-lo de que não o alinhasse com os supostos valentões que, em teoria, o acompanham.

São ilações lógicas. Quem quer que tenha acompanhado o famoso julgamento do Mensalão, há de se recordar que os dois ministros deram mostras de nada temerem, sob os céus e a terra. Alguém aludirá de que se valem de seu cargos. Com efeito, nada mais poderoso hoje, quem sabe, no Brasil, do que os ministros do STF. O magistrado Joaquim Barbosa já xingou jornalistas, sem que o episódio lhe custasse nada, a não ser uma ou outra "admoestação" da grande imprensa. Não deve ter em nenhuma conta que o desqualifiquem por isso. Aliás, para o chamado "quarto poder"- o que detém, realmente, o monopólio da informação, no Brasil - ninguém menos imputável que os dois magistrados. Destratar repórteres (meros empregados das grandes empresas jornalísticas), como fez o dr. Joaquim Barbosa, ou arrostar o Congresso, ilegalmente, como se deu com o dr. Gilmar Mendes, não são atos inconvenientes, ou até inconstitucionais. São antes ações tidas como legítimas que, a qualquer momento, servem para colocar o chamado Congresso Nacional e as denúncias contra o abusos das respectivas autoridades - sejam ou não pertinentes - em seu devido lugar nenhum.

Não foi, a propósito, aquilo que fizeram alguns senadores como Pedro Simon, do PMDB e , Randolfe Rodrigues, do PSOL, ao correrem céleres ao gabinete de Gilmar Mendes quando ele cortou, ilegal e ilegitimamente, pela raiz, um projeto de lei? São timoratos os dois senadores: dizem-se legalistas e um se afirma até de esquerda, mas sabem com quem estão lidando. Há, é claro, quem sustente, contra a opinião dos dois solertes homens públicos, que um ministro do STF não tem competência para interferir nos trâmites internos do Congresso - mas o ministro Gilmar Mendes sente-se, parece - e alguns confirmam - mais importante do que qualquer senador da Republica. De alguns deles, em tempo, pode-se dizer que sabem muito bem o que fazem. Como os dois senadores mencionados. São corajosíssimos contra o Executivo, e capazes de desmoralizar a Casa onde trabalham, por mandato popular. Mas são cordeiros diante dos ministros do STF e da imprensa, que, por isso, os mantêm blindados. Um baile de máscaras, para voltar indiretamente à fisiognomia.

Fisiognomia? Pela teoria, na análise da máscara mortuária, Beethoven resultaria num dos homens mais arrogantes de seu tempo: ele também tinha um queixo proeminente, cerrado em abóboda, como os dois ministros. Beethoven parece ter sido realmente um homem difícil. ostentava uma soberba própria, de quem sabia o seu valor. Nos queixos emburrados dos ministros, tem-se uma soberba própria de quem supõe o seu valor. Não confirmam a fisiognomia, mas também não a desmentem.”

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