“Argumento é do jornalista Paulo Moreira
Leite; num artigo contundente, ele afirma que o Judiciário tenta dar oxigênio a
forças políticas que hoje não têm votos suficientes para chegar ao poder, como
ocorreu na liminar concedida pelo ministro Gilmar Mendes; ele afirma ainda que
o debate central, no Brasil de hoje, é sobre a soberania popular e ele lembra o
artigo primeiro da Constituição Federal, que garante que "todo poder emana
do povo"; será mesmo?
“Diretor da revista Istoé em Brasília e
autor de um livro sobre "A outra história do mensalão", com uma visão
alternativa à da grande imprensa sobre a Ação Penal 470, o jornalista Paulo
Moreira Leite publicou em seu blog, neste fim de semana, um duro artigo sobre a
conduta de integrantes da oposição e do Poder Judiciário no Brasil. Segundo
ele, a luta da oposição, hoje sem votos suficientes para chegar ao poder,
começa a se converter em luta contra a democracia. (em artigo recente, 247, na
mesma linha, indagou "Desde quando exercer a maioria é
antidemocrático?").
Embora a Constituição Federal garanta que
todo poder emana do povo, em seu artigo primeiro, Paulo Moreira Leite argumenta
que a oposição, aliada a integrantes do Judiciário, tenta subverter essa lógica
elementar.
Leia abaixo:
O lugar da maioria
Depois
que até o ministro Joaquim Barbosa denunciou a falta de pluralismo da imprensa
brasileira e admitiu sua tendência "à direita," os cidadãos de têm
mais um argumento para repensar o que se passa no país.
É
preciso ter a coragem de entender que o Brasil ingressou numa fase mais aguda
de conflito político, real e duradouro, que irá se prolongar até o final de
2014 e a sucessão presidencial.
E
atenção. Caso as urnas confirmem aquilo que dizem as pesquisas de opinião, hoje,
nem mesmo a vontade soberana do eleitorado pode ser suficiente para resolver
esse conflito e garantir o retorno a um ambiente de paz política e respeito
constitucional.
Isso
porque assistimos a uma luta que, com o passar dos anos, e sucessivas derrotas
da oposição, transformou-se, mais uma vez, numa luta contra a democracia. Não
vamos nos iludir. As filigranas jurídicas não estão em debate.
O
que se questiona hoje é o lugar da maioria, o direito da grande massa de
brasileiros ter a ultima palavra sobre os destinos do país.
A
questão é o Poder de Estado, a possibilidade de retrocesso ou de novos avanços
no lento, modesto mas real processo de mudanças iniciado a partir de 2003, que
envolveu a sexta maior econômica do planeta e o destino de uma região cada vez
mais relevante no planeta, a América do Sul.
A
fraqueza até agora insolúvel da oposição, sua dificuldade em convencer a
maioria da população a lhe dar seu voto explica os movimentos cada vez mais
ousados, as denúncias, os ataques sem fim.
Não
é de estranhar uma nova radicalização conservadora nas últimas semanas, capaz
de envolver personalidades com passado democrático, como Pedro Simon, e mesmo
personalidades com um passado digno de um presente melhor, como Marina Silva,
capaz de ir à TV dizer obrigado a Gilmar Mendes, tornando-se a primeira
candidata presidencial a agradecer a um ministro do STF como se tivesse
recebido um favor.
Apesar
da agitação em torno de eventuais presidenciáveis, novos, antigos e
velhíssimos, a situação não mudou, pelo menos até agora.
A
grande maioria do eleitorado continua dizendo monotonamente que está satisfeita
com o que vê em sua casa e em seu destino. Pode ser tudo ilusão de ótica. Quem
sabe seja puro marketing. Pode ser que tudo fique diferente até 2014.
Agora,
isso não importa.
Os
números estão ali, seja nas pesquisas encomendadas pelo governo, seja naqueles
a que tem acesso a oposição. E este é o dado real, que alimenta cálculos e
projetos.
Como
uma porta-voz da própria imprensa com tendência “de direita”, nas palavras de
Joaquim Barbosa, já admitiu, em 2010, o que se quer é dar oxigênio a políticos
e concorrentes que não conseguem andar pelas próprias pernas.
É
assim que os lobos vestem elegantes ternos de cordeiro sem que ninguém se
pergunte pelo trabalho dos alfaiates. Mentiras nem precisam ser repetidas mil
vezes para se transformar em
verdades. Basta que sejam embelezadas de modo falacioso e
permanente. Basta que o veículo X repercuta o que disse o Y e que nem A, nem B
nem C tenham disposição para conferir aquilo que disse Z – como é, aliás,
tradição da imprensa brasileira com tendência “à direita” desde 1964, quando
jornais e revistas se irmanaram para denunciar a subversão e a corrupção do
governo Goulart.
E
aí chegamos ao calendário atual da crise, ao batimento cardíaco de maio de
2013. Ameaçada, pela quarta vez consecutiva, de se mostrar incapaz de chegar ao
governo pelo voto, o que se pretende é uma mudança pelo alto, sem o povo como
protagonista – mas como espectador e sujeito passivo.
Faz-se
isso como opção estratégica, definida, concebida de modo científico e
encaminhada com método e disciplina.
Num
país onde o artigo 1 da Constituição diz que todo poder emana do povo, que o
exerce através de representantes eleitos ou diretamente, procura-se colocar o
STF em posição de supremacia em relação aos demais poderes.
Como
se sua tarefa não fosse julgar a aplicação das leis, mas contribuir para sua
confecção ou até mesmo para bloquear leis existentes, votadas e aprovadas
de acordo com os trâmites legais.
O
STF vem sendo estimulado a tornar-se guardião da agenda conservadora do país,
construindo-se como fonte de poder político, acima dos demais.
Assume
um ponto de vista liberal quando debate assuntos de natureza comportamental,
como aborto e células tronco. Mantém-se conservador quanto aos grandes
interesses econômicos e políticos.
Sua
agenda dos próximos meses envolve muitas matérias de natureza econômica e o
papel do Estado na economia. Até uma emenda constitucional que cria
subsídios ao ensino privado já chegou ao tribunal. A técnica sem-voto é assim.
Já que não se tem força para chegar ao Planalto nem para fazer maioria no
Congresso, tenta-se o STF – e azar de quem tem voto popular. A finalidade
é paralisar quem fala pela maioria.
No
debate sobre royalties do petróleo, que, mesmo de forma enviesada, traduzia uma
forma de conflito entre estados ricos e estados pobres, impediu-se o Congresso
de exercer suas funções constitucionais. No debate sobre fundo partidário e
tempo na TV, o risco de deixar a oposição sem um terceiro nome para tentar
garantir o segundo turno inspirou o PSB, oposicionista, a pedir uma liminar que
impede a votação de uma lei que cumpria absolutamente todas as exigências
legais para ser debatida e votada.
Concordo que a lei em questão pode ser
chamada de casuística. Sou contra restrições à liberdade de organização
de partidos políticos, ainda que possa lembrar que o debate, no caso, não
envolve risco de prisão para militantes de partidos não autorizados, como no
passado, mas TV e $$$ público, mercadorias que não caem do céu.
Sem
ser ingênuo lembro que nessa matéria o ponto de vista contrário também está
impregnado do mesmo defeito.
A
liminar beneficia a oposição em geral e uma presidenciável em particular, que
tenta encontrar-se num terceiro partido político em menos de uma década. Até
agora nem conseguiu o numero de mínimo de filiados para montar a nova legenda. Jornais
informam que está recorrendo a políticos de outros partidos que, aliados no
vale-tudo para o segundo turno, tentam dar uma mãozinha emprestando
eleitores de seu próprio curral. Não é curioso?
O
que se quer é atribuir ao Supremo funções que estão muito além de sua
competência nos termos definidos pela legislação brasileira. Não adianta
lembrar de países desenvolvidos como se eles fossem a solução para todos os
males.
Até
porque isso não é verdade. Para ficar num exemplo recente e decisivo. Ao se
intrometer nas eleições de 2000 nos EUA, impedindo que os votos no Estado da
Florida fossem recontados e conferidos pelos organismos competentes, a Suprema
Corte republicana deu vitória a George W. Bush – empossando, com sua atitude, o
pior governo norte-americano desde a independência, em 1776.
Inconformado
com a decisão da Suprema Corte, o democrata Al Gore chegou a resistir por
vários dias, recusando-se a reconhecer um resultado que não refletia a vontade
popular. Acabou pressionado a renunciar e retirou-se da cena política. Alguém
pode chamar isso de vitória da democracia? Exemplo a ser seguido?
Em
situações como a do Brasil de hoje, a atuação dos meios comunicação ajuda a
criar mocinhos e bandidos, permite desqualificar o adversário e impedir que
todas as cartas sejam colocadas à mesa.
O
vilão da vez, como se sabe, é o deputado Nazareno Fontelles, do PT do Piauí,
autor da PEC 33, que, com base na soberania popular, garante ao Congresso a
ultima palavra sobre as leis que vigoram no país.
Fonteles
já foi chamado de “aloprado” e até de ser um tipo que faz “trabalho sujo”, além
de outras barbaridades feias e vergonhosas, que servem apenas para abafar o
debate político e esconder pontos importantes – a começar pelo fato de que o
relator da PEC 33 foi um deputado tucano. (Este seria o que?)
Desmentindo
outra mitologia sobre o tema, de que Fonteles produziu uma resposta ao mensalão,
evita-se lembrar que o texto é de 2011, quando o julgamento sequer havia
começado.
Conheço
juristas de peso que têm críticas a PEC 33. Outros lhe dão sustentação
integral.
O
debate real é a soberania popular. E é desse ponto de vista que a discussão sobre
a PEC 33 deve ser feita.
A
pergunta, meus amigos, é simples. Consiste em saber quem deve ter a palavra
final sobre os destinos do país. Vamos repetir: a Constituição diz, em seu
artigo 1, que todo poder emana do povo, que exerce através de seus representantes
eleitos ou mesmo diretamente.
Até
os ministros do Supremo são escolhidos por quem tem voto. O presidente da
República, que indica os nomes. O
Senado, que os aprova.
Quem não gosta deste método de decisão
deveria comprar o debate e convencer a maioria, concorda?”
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