E por falar em crianças...


Luciano Martins Costa, Observatório daImprensa

“A Coca-Cola anuncia que não fará mais campanhas publicitárias dirigidas a crianças com menos de 12 anos e que vai estimular ações contra a obesidade e por estilos de vida mais saudáveis. A empresa vai tirar da sua lista de investimentos em marketing os veículosda mídia impressa, rádio e televisão cujo público seja formado em mais de 35% por crianças até essa idade. Posteriormente, quando houver dados mais precisos de audiência, a restrição também deverá alcançar as mídias digitais que usam a internet, inclusive aparelhos móveis de comunicação.

Na segunda-feira (13/5), a Folha de S. Paulo informa que a polícia paulista está compondo um banco de dados com informações sobre os pedófilos indiciados em todo o Estado. O texto adianta que a maioria dos autores de abusos tem relação próxima com a família da vítima, sendo que 40% possuem algum parentesco. Quanto à faixa etária dos perpetradores, 40% deles têm entre 18 e 40 anos de idade e 40% são menores de 18 anos. Mas os dados oferecidos param por aí: a maior parte da reportagem se dedica a contar histórias de abusos, o que não contribui muito para informar o leitor.

O Estado de S. Paulo traz ampla reportagem, de duas páginas, com pesquisa da Universidade Federal de São Paulo sobre alcoolismo entre crianças e adolescentes. Segundo o estudo, provar álcool antes dos 12 anos de idade eleva em 60% o risco de dependência nos anos seguintes. O abuso é mais comum em famílias de alta renda, em parte pela falta de limites na educação dessas crianças, e, como é comum, alguns dos entrevistados responsabilizam as autoridades pela falta de fiscalização do comércio de bebidas.

No domingo (12/5), o programa Café filosófico, da TV Cultura,repetiu palestra do historiador Leandro Karnal sobre pecados contemporâneos, na qual o trabalho infantil e outras formas de abuso de menores vulneráveis se destacava como preocupações típicas do nosso tempo.

Como não houve recentemente, por aqui, nenhum caso de grande repercussão envolvendo crianças ou adolescentes vitimadas por pedófilos ou envolvidas em casos de alcoolismo, fica difícil imaginar como a pauta acabou se destacando na agenda da imprensa.

A verba dos anunciantes

No entanto, pode-se observar um ponto comum nas manifestações da imprensa sobre questões complexas que envolvem problemas difusos na sociedade. Em geral, o primeiro plano do noticiário e das opiniões colhidas pela mídia se dirige às supostas responsabilidades no campo do Estado: as autoridades são o primeiro foco de acusação, seja por omissão, seja pela inadequação das leis ou do sistema de prevenção e repressão. Mas, tanto no caso da pedofilia quanto no do alcoolismo, o Estado é o último elo na corrente das responsabilidades.

Observe-se também que o crime de pedofilia acontece mais comumente no ambiente familiar, e concorre muito para isso o fato de grande parte das vítimas viver em ambiente promíscuo, sem privacidade.

As pesquisas sobre o assunto são prejudicadas pelo motivo óbvio de que as ocorrências registradas em famílias com melhores condições de vida raramente são levadas às autoridades policiais, sendo tratadas internamente com a ajuda de psicólogos e mudanças de rotina. Por outro lado, concorre para a falta de comunicação do crime a percepção de que o mal só ocorreu porque a família da vítima se descuidou da sua proteção, e ninguém quer discutir publicamente sua própria omissão.

No caso do alcoolismo, porém, pode-se detectar uma ampla gama de responsabilidades, que começam na família, passam por toda a sociedade e o governo e terminam na mídia.

A sociedade brasileira convenciona que o jovem ganha autonomia segundo alguns rituais, e claramente o uso de álcool faz parte dessa aquisição. A cada geração, reduz-se a idade em que se inicia o consumo de bebidas em circunstâncias “sociais”, ou seja, naquelas ocasiões em que certas práticas são consideradas parte do comportamento “normal”.

Nas faculdade, não há recepção de calouros que não seja regada a muita bebida, geralmente patrocinada pelas próprias distribuidoras, como uma espécie de boas-vindas ao mundo adulto. As famílias, sedadas pelo sucesso do vestibulando, fecham os olhos para esse evento ritualístico onde se pode definir se o jovem será ou não um adulto alcoólatra.

O governo peca por não conseguir estabelecer políticas eficientes de controle.
E a mídia, sempre carente do dinheiro dos anunciantes, não tem interesse em levar essa discussão ao ponto central.

Assim, seguimos filosofando sobre os pecados contra a infância.”

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