Depois dos juros, o arrocho

Aparentemente, o debate é surrealista. Num país onde 86% dos salários foram reajustados acima da inflação em 2012, um número crescente de observadores e políticos resolveu iniciar uma campanha preventiva contra a indexação salarial.

Paulo Moreira Leite, ISTOÉ

Não há nada de estranho nesse comportamento, contudo.
Todo mundo sabe que não é preciso levar a sério a proposta de indexação de salários, lançada por Paulinho, da Força Sindical.

Ela ajuda Paulinho a procurar uma imagem  mais combativa do que a CUT, coisa que tenta fazer desde o início do governo Dilma.  Mas é politicamente inviável e seria economicamente desastrosa.

Cumpre, no entanto,  uma utilidade política. Ajuda a construir um fantasma, criando uma ameaça teatral que pode ajudar no avanço sobre os salários. 

Depois de questionar o governo Dilma Rousseff num ponto essencial da política econômica, que é o juro baixo, o que se quer é preparar o terreno para outro ataque – desta vez, no crescimento do mercado interno. 

O fantasma da indexação ajuda a preparar corações e mentes para a realidade de um sonhado arrocho salarial que, como sempre, não ousa dizer seu nome.

Até quando os sindicatos serão capazes de impor ganhos – em pouco mais de 1,5% ao ano – capazes de compensar perdas inflacionarias? Ninguém sabe.

Mesmo sem crescimento alto, o país vive um círculo que, com todas a dificuldades, é essencialmente benéfico à população. 

O crescimento do mercado interno alimenta a distribuição de renda, que, por sua vez, realimenta o mercado interno. A alta dos juros e sua contrapartida, uma possível queda  no emprego, representam um esforço na direção inversa – do desemprego e do arrocho. Este é o debate por trás da filigrana. 

O arrocho salarial, no passado, foi imposto pela ditadura militar e pelo esmagamento dos sindicatos. 

Só tornou-se possível depois do golpe que derrubou um presidente, João Goulart, que havia liderado a organização do PTB nos anos 50 – tão diferente do partido de hoje --, que possuía ligações profundas com o sindicalismo mais autêntico da época.

Não é preciso ter muita imaginação para entender as semelhanças e diferenças em relação ao país de hoje.

Tudo se encaixa com tudo, mais uma vez, e tudo volta ao começo. Mais uma vez, o que está em debate é o valor do trabalho.”

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