Depois da OMC, a Copa do Mundo

O Brasil já colocou dois funcionários seus no comando da FAO, com José Graziano, e agora na OMC, com Roberto Carvalho de Azevedo. São duas entidades internacionais contra uma, a Santa Sé, encabeçada pelo argentino Jorge Bergoglio. O dois a um só pode ser empatado para um dois a dois com o compromisso de deixar a Copa do Mundo de 2014 para a Argentina. Desde que, claro, se alcance um compromisso e não se necessite de um milagre. Por Martín Granovsky, do Página/12.

Martín Granovsky, Página/12 / Carta Maior

O Brasil e os países emergentes conseguiram um triunfo histórico que também será benéfico para a Argentina. O triunfo é duplo devido à figura que ganhou e à figura que perdeu. Ganhou um diplomata brasileiro, Roberto Carvalho de Azevedo, 55 anos, que obteve a maioria para ocupar a partir de setembro deste ano a direção da Organização Mundial de Comércio (OMC). Perdeu o mexicano Herminio Blanco Mendoza, 63 anos, ministro de Indústria e Comércio entre 1994 e 2000, sobretudo, chefe dos negociadores de seu país entre 1990 e 1993 sob o mando do presidente ultraliberal Carlos Salinas de Gortari para a construção do Nafta, a área de livre comércio dos Estados Unidos, Canadá e México.

A Europa votou em bloco a favor de Blanco. Também os Estados Unidos, ainda que, como de hábito, os negociadores norteamericanos tenham reduzido sua exposição pública quando vislumbraram que seriam derrotados. Azevedo ganhou com os votos da América do Sul e do Caribe, da África e com parte dos votos da Ásia. A Secretaria Geral de Assuntos Econômicos e Financeiros do Itamaraty trabalhou a toda máquina, com 47 diplomatas aos quais se somaram outros 17 sediados em Genebra.

Os jornalistas Joshua Goodman e Randall Woods escreveram ontem uma análise para a agência Bloomberg, na qual assinalaram que o brasileiro “tem o apoio dos Brics para as negociações sobre o comércio mundial”. Os Brics são Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

“O México pode ser o queridinho do Ocidente, mas carece de apoio amplo no mundo em desenvolvimento”, disse a Bloomberg Keving Gallagher, professor de Relações Internacionais da Universidade de Boston. Ele acrescentou que “uma negociação encabeçada pelo Brasil poderia obter o apoio dos mercados emergentes” como China, índia e o resto dos Brics. Os analistas da Bloomberg relacionaram o triunfo do brasileiro com “a luta dos Brics para que sua voz seja mais escutada no Fundo Monetário Internacional e em todas as partes”.

Ao traçar o perfil do novo chefe, a Bloomberg assinalou que, “como representante do Brasil na OMC desde 2008, Azevedo atacou os subsídios agrícolas dos Estados Unidos e Europa em nome dos interesses das nações em desenvolvimento, enquanto defendia o uso por parte do Brasil de maiores barreiras alfandegárias como uma forma de ajudar os industriais atingidos pela crise financeira global”.

Tanto a presidenta Dilma Rousseff como o chanceler Antonio Patriotra interpretaram a vitória de Azevedo como um sintoma de transformação mundial. Ao mesmo tempo, disseram que, de agora em diante, Azevedo não representará o Brasil, mas sim será o diretor geral de um organismo que agrupa 159 países. Uma primeira leitura poderia indicar que Dilma e Patriota foram educados. Não se agigantaram na vitória, algo que não é bem visto na diplomacia, e, ao mesmo tempo, souberam diferenciar entre o papel do candidato e o do diretor eleito. Mas uma segunda leitura permite formular esta hipótese:

- Blanco tem experiências que, analisadas por seu conteúdo, apontam para a liberalização absoluta, e consideradas por quem as apoiou são experiências parciais. A Nafta é o caso mais claro, mas também merece destaque o fato de que, com mais de trinta acordos, o México talvez seja o país do mundo que mais firmou tratados de livre comércio no mundo.

Azevedo representa o grupo de países que formaram blocos – o Mercosul é um deles – buscando mais a integração que o comércio livre. Em que medida conseguiram isso é outro tema. O certo é que, paradoxalmente, o olhar do setor que triunfou na OMC é mais global que o ponto de vista do setor globalizador derrotado.

Para além de como ocorram as negociações futuras, parece claro que, com a derrota de blanco, a OMC se salvou de ser uma usina neoliberal simpática aos grandes interesses financeiros. Azevedo sem dúvida será cuidadoso no dia que assumir, mas representa uma franja de nações que sofreram com o neoliberalismo e buscam uma vida diferente do esquema inaugurado por Ronald Reagan e Margaret Thatcher no final dos anos 70 e começo dos 80.

Só resta uma coisa por definir. A argentina Máxima não conta. Chegou a rainha por casamento e não por indicação. Além disso, integra uma casa real com jurisdição sobre um só país, Holanda. O Brasil já colocou dois funcionários seus no comando da FAO, com José Graziano, e agora na OMC, com Azevedo. São duas entidades internacionais contra uma, a Santa Sé, encabeçada pelo argentino Jorge Bergoglio. O dois a um só pode ser empatado para um dois a dois com o compromisso de deixar a Copa do Mundo de 2014 para a Argentina. Desde que, claro, se alcance um compromisso e não se necessite de um milagre.”

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