Quem diria? Esta
senhora de prendas
domésticas
inventou o neoliberalismo.
Foto:
Chris Ware/ Getty Images
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Mino Carta, CartaCapital
“Pergunto aos meus reflexivos botões o que
vem a ser o mercado. Ou seria o caso de dizer MERCADO? Segue-se este diálogo.
“Trata-se, ao que tudo indica, de uma
entidade sobrenatural, incontrastável na sua onipotência”, proclamam os
inquiridos com certa ênfase.
“Deus, portanto, não é mesmo?”, apresso-me
a anotar.
Interrompo. “Donde, agente do destino…”
“Não, não, algo maior e mais exato, de alguma forma o MERCADO é o próprio destino.”
“Quer dizer, o que determina é definitivo e irretorquível. É porque é, digo, filosoficamente…”
“Eis aí, é na condição indiscutível de manifestação do real, não nos atiraríamos a discutir o fato de que a Terra gira em torno do Sol.”
Pareceu-me entender a razão da diferença entre MERCADO e Deus. O Altíssimo, embora nem sempre usado para os melhores fins, é o primeiro motor da religião, na qual se entrelaçam fé e emoção. Já me referi inúmeras vezes à religião do deus mercado, e agora me arrependo, e a quem me leu peço perdão. Não se exige fé para acreditar no MERCADO. Ele existe, na qualidade de suprema verdade factual, igual à vida e à morte.
O inelutável suscita algum espanto, como as ideias de eternidade e do infinito propostas a quem é irremediavelmente condicionado por tempo e espaço. Entendo, porém, que os botões riem. Ouço distintamente o marulhar de sua peculiar risada, de cachorro maldoso, mostra os dentes, mas vem do fundo da garganta, e como se o som passasse sobre lixa. Estou perplexo, o comportamento dos botões contradiz agora tudo o que foi dito antes.
Encaro-os atônito. No tom de quem chama à ordem o desavisado, esclarecem: “Ora, ora, o que dissemos é como o mundo encara o mercado, o mundo cada vez mais crédulo, intelectualmente indigente, negado à frequentação do espírito crítico. Donde, pronto a engolir o que interessa às oligarquias financeiras criadas pelo neoliberalismo, enquanto prejudicam gravemente o resto da humanidade”.
A sociedade, à qual Margaret Thatcher negava existência em benefício do indivíduo, assiste impávida, ao menos por enquanto, ao esforço dos países do ex-Primeiro Mundo para combater a crise ao favorecer quem a provocou. De sorte que as coisas pioram. Na Europa, de 2008 a 2012, 10 milhões de empregos foram perdidos. Um milhão e pouco só na Itália no ano passado, e ali, no mesmo período, 5 mil empresas morreram. Oitenta multinacionais, e entre elas o narcotráfico, comandam a economia global e impõem sua vontade aos governos nacionais.
O mundo, ah, o mundo dá sinais inequívocos de senectude, em meio a delírios que incluem as ameaças atômicas do ditador norte-coreano. Incluem também situações aparentemente mais comezinhas e menos arriscadas.
Refiro-me, a escolher uma entre tantas, à reação da mídia mundial ao falecimento de Margaret Thatcher. Salvo algumas exceções, fala-se de uma Mary Poppins revolucionária capaz de devolver o Reino Unido às glórias pregressas. E haja glória. A Dama de Ferro, que se presumia destinada a uma vida doméstica, ao se instalar no número 10 de Downing Street tornou-se fundadora do neoliberalismo, entrave aparentemente ineludível dos dias de hoje. Antes de Ronald Reagan, ela merece a primazia.
Não há questionamento possível, sofremos,
em primeiro lugar, por causa dela se o simples mercado transmudou-se no
MERCADO. Como a grei de Panurge, o mundo foi atrás da senhora Thatcher. Alguns,
os beneficiários da operação, de caso pensado, para tomar o bonde da história
que transitava na esquina. Outros, sem se darem conta do desastre. Outros ainda
porque não entendiam coisa alguma.”
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