“Caiu no
Reino Unido um dos grandes tabus do liberalismo: a ideia de que a liberdade de
imprensa é absoluta, sem limites
Lalo Leal, Revista
do Brasil / Rede Brasil Atual
A partir de agora a mídia impressa
britânica (jornais, revistas e internet) será regulada por um órgão
independente do governo e das empresas de comunicação. O rádio e a TV já
se submetem a outra agência reguladora, a Ofcom. Em 2013 a autorregulação
exercida atualmente pela PCC (sigla em inglês da Comissão de Reclamações sobre
a Imprensa) completaria 60 anos. Mas não resistiu aos escândalos mais recentes,
com jornalistas grampeando telefones de artistas e de pessoas envolvidas em
casos policiais, inclusive o de familiares do brasileiro Jean Charles, morto
pela polícia inglesa.
Entre os crimes cometidos pela imprensa,
talvez o mais dramático tenha sido o praticado pelo diário News of the World. Um
detetive a serviço do jornal grampeou o telefone celular de Milly Dowler, uma
menina de 13 anos desaparecida em 2002, apagando suas mensagens. A polícia e a
família, diante da manipulação da caixa postal, acreditavam que ela ainda
estivesse viva até o corpo ser encontrado. O jornal foi fechado pelo
próprio dono, o magnata Rupert Murdoch, mas as denúncias de invasão de
privacidade e as reclamações sobre publicações incorretas realizadas por outros
veículos não cessaram.
Não foi a primeira vez que a
autorregulamentação no Reino Unido esteve na berlinda. A própria PCC só surgiu
como uma forma de evitar a regulação externa, mas nunca cumpriu seu papel. O
código de conduta adotado foi elaborado pelos próprios empresários, que, além
disso, ocupavam mais da metade de suas vagas. Críticas quanto a sua
ineficiência eram constantes. Não punia ninguém e as demandas do público não
saíam nos jornais.
A nova agência reguladora vai mudar esse
quadro. Poderá aplicar multas que podem chegar a 1 milhão de libras (cerca de
R$ 3 milhões) ou até 1% do faturamento das empresas. Adotará medidas para
proteção dos cidadãos, além de poder obrigar jornais, revistas e sites com
conteúdo jornalístico a publicar correções de matérias e pedidos de
desculpas.
A adesão das empresas ao órgão será
voluntária, mas as que não aderirem poderão sofrer punições ainda mais severas.
A criação da agência é resultado de um acordo firmado entre os três maiores
partidos britânicos e terá o respaldo de uma Carta Real, assinada pela rainha
Elizabeth. Qualquer alteração só poderá ser feita com o voto de pelo menos dois
terços do Parlamento.
No Brasil, uma das poucas proteções que o
público tinha diante da imprensa era a possibilidade do “direito de resposta”,
garantido pela Constituição e até 2009 regulado pela Lei de Imprensa. O STF
derrubou a lei, provocando no seu então presidente, Carlos Ayres Britto,
manifestações de júbilo ao enaltecer a liberdade absoluta da imprensa, como se
os meios de comunicação pairassem acima dos interesses econômicos e políticos
dos seus donos.
Além disso, duas outras iniciativas de
acompanhamento da comunicação existentes no Brasil fracassaram. O Conselho de
Comunicação Social do Senado, que apesar do seu poder restrito poderia discutir
as grandes questões da mídia, foi capturado pelos empresários e o Conselho
Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) segue a linha da PCC
britânica, com resultados fracos e ineficientes.
Havia ainda o Código de Ética da Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e de Televisão (Abert). Elaborado nos anos
1990, seria um ótimo referencial para dar ao público a garantia de que as
programações desses veículos respeitariam “os valores éticos e sociais da
pessoa e da família”, como determina a Constituição. Só que nunca foi aplicado
e desapareceu até do site da Abert.
São exemplos, britânicos e brasileiros, que
mostram a falácia da autorregulamentação e a necessidade da existência de
agências externas, com força para defender o público do poder da mídia. Lá o
caminho parece promissor, aqui seguimos acreditando que o cabrito pode tomar
conta da horta. Até quando?”
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