Luciano Martins Costa, Observatório daImprensa
“A leitura dos jornais de quinta-feira (25/4) indica que o Brasil está na iminência de sofrer uma crise institucional sem possibilidade de solução fácil: numa sucessão de lances rápidos e incisivos, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional interferem mutuamente nas atribuições um do outro, causando a deterioração das relações entre os poderes da República.
O conflito está nas manchetes. Diz o Globo: “Câmara dá 1º passo para tirar poder do STF”. Anuncia a Folha de S. Paulo: “STF suspende projeto que beneficia Dilma na eleição”.
O Globo
se refere à aprovação, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, de
emenda que submete ao Congresso Nacional as decisões da Suprema Corte. A Folha
noticia que o ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu liminar barrando a
tramitação, no Congresso, de projeto de lei que retira dos novos partidos o
amplo acesso ao fundo partidário e ao tempo de propaganda na televisão. O Estado
de S. Paulo deixou os dois assuntos em segundo plano e achou mais apropriado
destacar uma proposta do senador mineiro Aécio Neves (PSDB), que pretende
restabelecer o mandato de cinco anos e acabar com a reeleição para cargos
executivos.
O conflito é explícito entre os dois
poderes, mas, segundo os jornais, o Legislativo atua em favor da Presidência da
República, que detém a maioria no Congresso, e estaria sufocando a oposição. O
noticiário não esclarece de que lado estaria o Supremo Tribunal Federal, e se
supõe, então, que se trata de um poder moderador, dedicado a preservar a
Constituição. Também fica sem esclarecimento o papel de um quarto poder, a
própria imprensa, que tem entre suas funções implícitas a de mediar a
comunicação institucional, e certamente também tem interesses próprios nessa
disputa.
Tanto quanto no Congresso Nacional, as
ações da Suprema Corte dependem da diversidade para produzirem equilíbrio, com
a diferença de que no STF um só ministro pode tomar decisões capazes de
paralisar os demais poderes, pelo menos temporariamente.
O trágico, para a democracia brasileira é
que, no momento, nenhuma dessas instituições pode se apresentar com credenciais
para produzir um entendimento entre as partes.
A
teoria e a prática
Os três poderes da República estão claramente
contaminados por certo radicalismo, que se agrava rapidamente com a proximidade
de eleições. Como suas ações, intenções e manifestações passam pelo filtro da
imprensa, seria natural que o leitor e eleitor pudesse contar com alguma fonte
confiável para conferir suas convicções. Mas a prática dos jornais não
aconselha uma leitura inocente: a narrativa da imprensa denuncia escolhas que definem
a interpretação dos fatos antes mesmo que aconteçam.
Por exemplo, se tal ou qual personagem da
vida pública fizer um gesto, tomar uma atitude ou produzir uma ação, a
imprensa, em sua expressão hegemônica, examinará tal manifestação conforme essa
matriz de valores que delimitam o campo da disputa ideológica que é o pano de
fundo de toda controvérsia. De tão viciado o jogo, é provável que já nenhum dos
lados se lembre de como tudo começou, mas os editores sabem muito bem o que
está em disputa.
Mas não é tudo parte do jogo democrático? –
perguntaria alguém ainda abençoado pela inocência. Sim, diria o analista
ponderado. Acontece que, na transferência dos fatos isolados para o chamado
espaço público, os atos, gestos e manifestações ganham outro significado, que
lhes dá a imprensa.
É na narrativa, essência do fazer
jornalístico, que ocorre tal transformação. Assim, da palavra de um político ou
de um magistrado a imprensa constrói uma realidade. O ponto central dessa crise
é, portanto, a capacidade ou o interesse da imprensa em fazer uma mediação
minimamente equilibrada da controvérsia.
Como diz o teórico português Nelson Traquina,
o jornalista precisa dominar o “saber da narração” e o papel “essencialmente
conservador e legitimador” do jornalista deve ser exercido na “região do
consenso”, ou seja, na temática que congrega os valores consensuais da
sociedade, como a defesa da democracia e da legitimidade dos poderes.
Outra coisa é a “esfera da controvérsia
legítima”, onde as principais virtudes do jornalismo seriam relacionadas à
objetividade. Finalmente, há também, segundo essa teoria, o terceiro campo, a
“esfera do desvio”, onde o jornalismo deveria identificar na agenda pública o
que seriam atos políticos legítimos ou ilegítimos.
Aqui sucede, como diria o falecido Joelmir
Beting, que na prática a teoria é outra.”
Comentários