Choque de oferta


O crescimento atual da inflação é
fruto de um choque de oferta devido
à baixa produção agrícola no ano passado

Delfim Netto, CartaCapital

“Um aumento forte no preço de produtos básicos da alimentação no ano passado (feijão e milho, basicamente) e de hortifrutigranjeiros (em destaque, o tomate, para variar…) neste início de ano chuvoso pressionou a taxa de inflação, pesou no orçamento doméstico e criou algumas dificuldades novas na administração da economia. Marginalmente a novidade estimula a reedição do “cabo de guerra” entre setores do mercado financeiro e a autoridade monetária: mesmo sabendo se tratar de fenômeno temporário, agentes permanentemente com sérias dificuldades em suas mentes voltam a clamar pela elevação das taxas de juro como remédio eficaz para conter os preços dos legumes, frutas e hortaliças, em geral.

Para entender os aumentos recentes, é preciso aceitar o fato de termos sofrido um importante choque de oferta, que começou com a queda da produção agrícola no ano passado. A safra terminada não foi das melhores, não houve a produção esperada de grãos. Em segundo lugar, tivemos pressões externas de aumento de preços.  E houve a correção do câmbio, absolutamente necessária para salvar a indústria.

Tivemos uma queda na quantidade dos cereais e nos seus subprodutos, mas a pressão fundamental decorreu das perdas na colheita de verduras e frutas no começo de 2013, em razão de um verão extremamente chuvoso, o que dificultou a safra e, de forma ainda mais dramática, o transporte.

A produção do tomate é um exemplo, com crescimento de 35% do preço e cuja demanda depende da nossa cultura, mais do que dos níveis de renda. Nossas mães e avós aprenderam a cozinhar com o tomate, o que torna difícil tirá-lo do nosso regime. Logo, para conseguir reduzir o consumo, seria preciso fazer os preços subirem enormemente para as pessoas substituírem o molho de tomate em suas receitas. Quando cai a oferta de tomate, só existe uma quantidade fixa para atender a essa demanda obrigatória. Os preços sobem, mas 90 dias depois começa a haver a recuperação da oferta, e o preço volta.

Os mecanismos do mercado tendem a se autocorrigir, em certa medida, mas isso não impede o recomeço do cabo de guerra entre o sistema financeiro e o governo. Este age acreditando que essa pressão enorme (sobre os preços de alimentos) vai se reduzir no segundo semestre, a partir do momento que se recuperarem os preços dos legumes e das verduras. E com a entrada da nova safra de grãos muito melhor do que a anterior.

Como a expectativa é também de uma pequena desvalorização do câmbio, tudo indica que haverá uma redução no crescimento desses preços. É preciso sempre lembrar que inflação não é preço alto: inflação é crescimento de preços.

Há uma boa probabilidade de o governo estar certo, e a inflação arrefecer um pouco. Brasília resiste a aumentar a taxa de juros, por esperar uma pressão menor sobre os preços. Aumentar a taxa de juros agora só provocaria o travamento da produção e o desemprego que alguns economistas pedem alegremente, desprezando os enormes custos sociais decorrentes.

Seria preciso causar uma enorme depressão e desconsiderar a queda de renda necessária para ajustar o preço do tomate ao nível suficiente, capaz de provocar a queda do consumo. Sem contar com o extraordinário feito de mudar a cultura das famílias, os hábitos das donas de casa. Quem tiver autoridade para tanto, habilite-se…

É lamentável que alguns economistas e analistas repuxem o “cabo de guerra”, continuem a pensar na salvação da lavoura de uma taxa de juros “neutra”, elevada à categoria de divindade! Um ente divino (para outros, maligno), capaz de simplesmente, ao manipular a Selic, conduzir a economia ao pleno uso da capacidade produtiva e à taxa de inflação constante, determinada pela autoridade monetária.

Que taxa seria essa? Possivelmente aquela adivinhada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que, em 19 de novembro de 2012, escreveu que “não pode ser observada e não existe melhor método de estimá-la”, mas que ele sem o menor escrúpulo “estima entre 4,7% e 5,3%”! Por isso só as mentes com sérias dificuldades consigo mesmas podem defender ou imaginar que uma elevação da taxa de juros baixará o preço do tomate…”

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