“A intolerência demonstrada pela “Grande
Mídia”, no episódio da minha participação no Fórum da Igualdade e minha
ausência no Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, prova que ainda temos um largo
caminho a percorrer, para permitir que as opiniões divergentes circulem
livremente na nossa democracia limitada. Estas questões não interessam ao
“Fórum da Liberdade”, mas certamente interessam ao “Fórum da Igualdade”. Por
isso fui neste, mais fraco. Não no outro, mais forte. O artigo é de Tarso Genro.
Tarso Genro, Carta Maior
Um debate sobre a “regulação” da mídia que
ocorreu aqui no Rio Grande do Sul por ocasião do “Fórum da Liberdade”, do qual
não participei e do “Fórum da Igualdade”, do qual participei como conferencista
inaugural, teve ampla repercussão no Estado e refletiu nacionalmente através
uma matéria decente publicada na Folha de São Paulo. Foi um episódio que
demonstrou, mais uma vez, a intolerância e a arrogância da “Grande Mídia”, para
traficar os seus valores - fundados no lucro e na anarquia do mercado - no
sentido de os tornarem artificialmente universais.
Como julgo este assunto extremamente importante, para a esquerda e para o projeto democrático de nação que está em disputa no país, vou relatar o conteúdo da minha exposição no “Fórum da Igualdade”. Não vou citar nomes de pessoas nem de empresas, porque não só não tenho interesse de promover um debate personalizado sobre o assunto, como também entendo que esta matéria não é restrita ao nosso Rio Grande e deve ser alvo de discussões que não podem ser banalizadas por conjunturas regionais.
Tudo começou com a minha ausência no “Fórum da Liberdade”, onde eu participaria como autoridade da sessão inaugural e a minha presença no "Fórum da Igualdade", para o qual eu fora convidado como conferencista de abertura, tendo como ouvintes sindicalistas, militantes de esquerda, parlamentares de partidos que formam o grupo de opinião que rejeita o projeto neoliberal e também dirigentes de movimentos sociais.
Este Fórum, com escassa repercussão midiática, porque composto de grupos, entidades e pessoas com força econômica escassa, para ter qualquer interferência promocional na grande mídia, é diferente do “Fórum da Liberdade”. Este, como se sabe, é compostos por doutrinadores, empresários, executivos de empresas que defendem - já de forma um pouco monótona - a redução dos gastos sociais (“improdutivos”), o “enxugamento do Estado” (nos salários e nas políticas sociais) e a “redução da carga tributária”, não sem militar pelo aumento dos investimentos públicos em infraestrutura, pelas renúncias fiscais e pelos financiamentos subsidiados para as grandes empresas.
É uma pauta legítima na sociedade que vivemos, é claro, mas que cumprida integralmente levaria o nosso país ao caos social, quem sabe a uma ruptura anárquica pela direita autoritária, já que a devastação das escassas políticas de coesão social mínima, que conseguimos implementar nos últimos anos, geraria uma revolta generalizada entre os pobres do país, que usufruem de direitos sociais muito limitados ainda hoje no nosso Brasil.
A fala que proferi no “Fórum da Igualdade” despertou a ira no “Fórum da Liberdade” e também uma divulgação viciada do conteúdo da minha palestra, interditando o debate que ali propus, através dos estereótipos de costume: “quer o controle da mídia”, “quer a censura a imprensa “, “quer vedar o direito de opinião”, etc. A argumentação mais sólida que ofereceram foi o “exemplo tomate”. Este exemplo, passará para a história da liberdade de imprensa no país, já que uma conhecida editorialista disse, mais ou menos o seguinte: “essa questão da mídia livre é que nem o tomate, que está caro, ou seja, não se compra; se não gostou das matérias, muda de emissora ou de jornal”. Só que o tomate não é uma concessão pública, nem o acesso a ele está regulado pela Constituição Federal. Um detalhe insignificante que muda tudo. Vejamos o que eu disse no “Fórum da Igualdade.”
Tratei, fundamentalmente, de dois assuntos na minha palestra para os trabalhadores: primeiro, que as empresas de comunicação, em regra, não cumprem a finalidade constitucional das concessões, pois a norma que as regula orienta que a programação das emissoras contemple conteúdos regionais, educativos, culturais, e proteja os valores da família - ou seja também tenha como sentido valorizar a comunidade familiar - obviamente adequando-se à moralidade contemporânea. Disse, ainda, na minha fala, que oitenta por cento dos programas sairiam do ar, se esta norma constitucional fosse cumprida.
Segundo, tratei da evolução da questão das liberdades, que percorreu a gênese da democracia. Primeiro como lutas pela “liberdade de pensamento” (já que era vedado inclusive na intimidade, mesmo sem publicizar, desconfiar da validade da religião católica); depois, como “luta pela liberdade de expressão”, já no Renascimento, quando alguns eruditos brilhantes começam a se libertar da dogmática religiosa absoluta e resolveram expressar-se em público como dissidentes “humanistas” (os painéis de Michelangelo na Capela Sistina vêem um Deus Homem, promovendo uma inversão figurativa da Teologia: o Deus abstrato e longínquo passa a ser concebido como um forte Homem concreto); depois, abordei uma importante liberdade dos modernos, a “liberdade de imprensa”, que se consagra na Revolução Francesa, avassala a Europa (liberdade de dizer em público e imprimir o “dito”, que subverte o monopólio da fala pelas elites) e torna-se um valor democrático altamente respeitado.
Finalmente, abordei um quarto tema. A questão da “liberdade de fazer circular livremente as opiniões”. Sustentei que hoje existe uma absoluta desigualdade de meios, para que as opiniões possam circular de maneira equânime, embora as redes na internet tenham aberto novas fronteiras para a circulação da comunicação. Mas, atenção: as redes são acessíveis a todas as opiniões (e é bom que o sejam), mas as TVs e Rádios das “Grandes Mídias” empresariais com tendência monopolista, não são acessíveis a todas as opiniões.
As opiniões, nas “Grandes Mídias”, inclusive podem ser (e frequentemente o são) filtradas, editadas, selecionados, distorcidas ou manipuladas, inclusive com o enquadramento dos jornalistas da própria empresa. Nem sempre, nem em todos os momentos, nem em todas as empresas de comunicação isso ocorre. Mas todas estão disponíveis para estes métodos, ao gosto dos seus proprietários.
Sustentei, portanto, que há um bloqueio radical da circulação da opinião, cuja divulgação é orientada pela empresa de comunicação, a partir dos valores culturais, ideológicos e políticos dos seus proprietários. Qual a sugestão que dei no Forum da Igualdade, que me convidou para a fazer a abertura solene do seu evento? Censura? Expropriação de empresas? Não. Disse que o Estado deve promover políticas de financiamento e subsídios (que as atuais instituições de comunicação empresariais inclusive já tem) e novos marcos regulatórios, para que possam surgir mil canais de comunicação, com igualdade de qualidade tecnológica e profissional (com mais oportunidades de trabalho livre para os próprios jornalistas), através instituições de comunicação que não dependam do mercado e dos grandes anunciantes.
Canais que possam ter uma política de informação mais objetiva e aberta e um debate político mais amplo do que a ladainha neoliberal. Canais que não adotem como mercadoria-notícia a escalada da cultura da força e da violência, dentro da qual concorrem os principais meios de comunicação do país. Trata-se de dar novas oportunidades de escolha aos cidadãos, aos pais, às mães, aos consumidores, que somos todos nós, para que possamos ver e ouvir outras coisas, debater outras idéias, sem qualquer tipo de censura, seja do Estado, seja dos proprietários das empresas e dos seus anunciantes.
Isso certamente foi demais e a “circulação da opinião restrita”, que eu mencionara nos meus argumentos em favor da “circulação da opinião mais livre”, foi comprovada pela voz massiva e monocórdia das respostas à palestra, que proferi aos trabalhadores. Revolveram a tese do “controle dos meios de comunicação pelo Estado” - como se já não houvesse controle do Estado, que é o poder concedente dos canais - misturando este assunto com a minha ausência no "Fórum da Liberdade". O mesmo em que o Vice-Governador do Estado, em outro momento de abertura, foi solenemente vaiado porque ousou dizer que o Governo Lula melhorou o Brasil.
A intolerência demonstrada pela “Grande Mídia”, também neste episódio, prova que ainda temos um largo caminho a percorrer, para permitir que as opiniões divergentes circulem livremente na nossa democracia limitada, hoje já mais sufocada pela força do poder econômico e da ganância. Estas questões não interessam ao “Fórum da Liberdade”, mas certamente interessam ao “Fórum da Igualdade”. Por isso fui neste, mais fraco. Não no outro, mais forte.”
Como julgo este assunto extremamente importante, para a esquerda e para o projeto democrático de nação que está em disputa no país, vou relatar o conteúdo da minha exposição no “Fórum da Igualdade”. Não vou citar nomes de pessoas nem de empresas, porque não só não tenho interesse de promover um debate personalizado sobre o assunto, como também entendo que esta matéria não é restrita ao nosso Rio Grande e deve ser alvo de discussões que não podem ser banalizadas por conjunturas regionais.
Tudo começou com a minha ausência no “Fórum da Liberdade”, onde eu participaria como autoridade da sessão inaugural e a minha presença no "Fórum da Igualdade", para o qual eu fora convidado como conferencista de abertura, tendo como ouvintes sindicalistas, militantes de esquerda, parlamentares de partidos que formam o grupo de opinião que rejeita o projeto neoliberal e também dirigentes de movimentos sociais.
Este Fórum, com escassa repercussão midiática, porque composto de grupos, entidades e pessoas com força econômica escassa, para ter qualquer interferência promocional na grande mídia, é diferente do “Fórum da Liberdade”. Este, como se sabe, é compostos por doutrinadores, empresários, executivos de empresas que defendem - já de forma um pouco monótona - a redução dos gastos sociais (“improdutivos”), o “enxugamento do Estado” (nos salários e nas políticas sociais) e a “redução da carga tributária”, não sem militar pelo aumento dos investimentos públicos em infraestrutura, pelas renúncias fiscais e pelos financiamentos subsidiados para as grandes empresas.
É uma pauta legítima na sociedade que vivemos, é claro, mas que cumprida integralmente levaria o nosso país ao caos social, quem sabe a uma ruptura anárquica pela direita autoritária, já que a devastação das escassas políticas de coesão social mínima, que conseguimos implementar nos últimos anos, geraria uma revolta generalizada entre os pobres do país, que usufruem de direitos sociais muito limitados ainda hoje no nosso Brasil.
A fala que proferi no “Fórum da Igualdade” despertou a ira no “Fórum da Liberdade” e também uma divulgação viciada do conteúdo da minha palestra, interditando o debate que ali propus, através dos estereótipos de costume: “quer o controle da mídia”, “quer a censura a imprensa “, “quer vedar o direito de opinião”, etc. A argumentação mais sólida que ofereceram foi o “exemplo tomate”. Este exemplo, passará para a história da liberdade de imprensa no país, já que uma conhecida editorialista disse, mais ou menos o seguinte: “essa questão da mídia livre é que nem o tomate, que está caro, ou seja, não se compra; se não gostou das matérias, muda de emissora ou de jornal”. Só que o tomate não é uma concessão pública, nem o acesso a ele está regulado pela Constituição Federal. Um detalhe insignificante que muda tudo. Vejamos o que eu disse no “Fórum da Igualdade.”
Tratei, fundamentalmente, de dois assuntos na minha palestra para os trabalhadores: primeiro, que as empresas de comunicação, em regra, não cumprem a finalidade constitucional das concessões, pois a norma que as regula orienta que a programação das emissoras contemple conteúdos regionais, educativos, culturais, e proteja os valores da família - ou seja também tenha como sentido valorizar a comunidade familiar - obviamente adequando-se à moralidade contemporânea. Disse, ainda, na minha fala, que oitenta por cento dos programas sairiam do ar, se esta norma constitucional fosse cumprida.
Segundo, tratei da evolução da questão das liberdades, que percorreu a gênese da democracia. Primeiro como lutas pela “liberdade de pensamento” (já que era vedado inclusive na intimidade, mesmo sem publicizar, desconfiar da validade da religião católica); depois, como “luta pela liberdade de expressão”, já no Renascimento, quando alguns eruditos brilhantes começam a se libertar da dogmática religiosa absoluta e resolveram expressar-se em público como dissidentes “humanistas” (os painéis de Michelangelo na Capela Sistina vêem um Deus Homem, promovendo uma inversão figurativa da Teologia: o Deus abstrato e longínquo passa a ser concebido como um forte Homem concreto); depois, abordei uma importante liberdade dos modernos, a “liberdade de imprensa”, que se consagra na Revolução Francesa, avassala a Europa (liberdade de dizer em público e imprimir o “dito”, que subverte o monopólio da fala pelas elites) e torna-se um valor democrático altamente respeitado.
Finalmente, abordei um quarto tema. A questão da “liberdade de fazer circular livremente as opiniões”. Sustentei que hoje existe uma absoluta desigualdade de meios, para que as opiniões possam circular de maneira equânime, embora as redes na internet tenham aberto novas fronteiras para a circulação da comunicação. Mas, atenção: as redes são acessíveis a todas as opiniões (e é bom que o sejam), mas as TVs e Rádios das “Grandes Mídias” empresariais com tendência monopolista, não são acessíveis a todas as opiniões.
As opiniões, nas “Grandes Mídias”, inclusive podem ser (e frequentemente o são) filtradas, editadas, selecionados, distorcidas ou manipuladas, inclusive com o enquadramento dos jornalistas da própria empresa. Nem sempre, nem em todos os momentos, nem em todas as empresas de comunicação isso ocorre. Mas todas estão disponíveis para estes métodos, ao gosto dos seus proprietários.
Sustentei, portanto, que há um bloqueio radical da circulação da opinião, cuja divulgação é orientada pela empresa de comunicação, a partir dos valores culturais, ideológicos e políticos dos seus proprietários. Qual a sugestão que dei no Forum da Igualdade, que me convidou para a fazer a abertura solene do seu evento? Censura? Expropriação de empresas? Não. Disse que o Estado deve promover políticas de financiamento e subsídios (que as atuais instituições de comunicação empresariais inclusive já tem) e novos marcos regulatórios, para que possam surgir mil canais de comunicação, com igualdade de qualidade tecnológica e profissional (com mais oportunidades de trabalho livre para os próprios jornalistas), através instituições de comunicação que não dependam do mercado e dos grandes anunciantes.
Canais que possam ter uma política de informação mais objetiva e aberta e um debate político mais amplo do que a ladainha neoliberal. Canais que não adotem como mercadoria-notícia a escalada da cultura da força e da violência, dentro da qual concorrem os principais meios de comunicação do país. Trata-se de dar novas oportunidades de escolha aos cidadãos, aos pais, às mães, aos consumidores, que somos todos nós, para que possamos ver e ouvir outras coisas, debater outras idéias, sem qualquer tipo de censura, seja do Estado, seja dos proprietários das empresas e dos seus anunciantes.
Isso certamente foi demais e a “circulação da opinião restrita”, que eu mencionara nos meus argumentos em favor da “circulação da opinião mais livre”, foi comprovada pela voz massiva e monocórdia das respostas à palestra, que proferi aos trabalhadores. Revolveram a tese do “controle dos meios de comunicação pelo Estado” - como se já não houvesse controle do Estado, que é o poder concedente dos canais - misturando este assunto com a minha ausência no "Fórum da Liberdade". O mesmo em que o Vice-Governador do Estado, em outro momento de abertura, foi solenemente vaiado porque ousou dizer que o Governo Lula melhorou o Brasil.
A intolerência demonstrada pela “Grande Mídia”, também neste episódio, prova que ainda temos um largo caminho a percorrer, para permitir que as opiniões divergentes circulem livremente na nossa democracia limitada, hoje já mais sufocada pela força do poder econômico e da ganância. Estas questões não interessam ao “Fórum da Liberdade”, mas certamente interessam ao “Fórum da Igualdade”. Por isso fui neste, mais fraco. Não no outro, mais forte.”
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