Mauro Santayana, Jornal do Brasil
“Os dois maiores problemas do homem são o
mistério da morte e a ambição do poder.
Lucrécio, em De rerum natura, associa
uma coisa à outra, ao dizer que do medo da morte nasceram a fome do ouro e a
ambição da glória – e glória, direta ou indiretamente, é poder.
A ambição do poder é legítima, mas quando
não se submete à razão, costuma perder-se. Há dois paradigmas históricos
clássicos sobre a conduta na busca e no exercício do poder. Um é o do Cardeal
de Richelieu, o outro, o de Nero. O tutor e todo poderoso ministro de Luís 13
foi o modelo de todos quantos submeteram o poder à razão de Estado.
O imperador romano foi o mais enlouquecido
dos tiranos. E há aqueles que, em sua paranóia, supõem que agem com lógica em
sua insensatez, como Hitler. Entre nós, e em episódio menor e grotesco, tivemos
o comportamento de Jânio Quadros, que chegou ao Planalto, e o de Lacerda, que
ficou no caminho.
José Serra é um caso de estudo político. O
jovem, filho de trabalhadores imigrantes, destacou-se na adolescência como
líder estudantil. Era, na identificação ideológica do tempo, homem de esquerda.
A formação, no exílio, que lhe não foi difícil, graças à solidariedade dos
meios acadêmicos, fez dele um economista. Ao retornar, depois do exercício
eventual do jornalismo, integrou-se no MDB e, assim, ocupou a Secretaria de
Planejamento do governador Franco Montoro.
Serra, pelo que dizem as folhas, e ele não
desmente, está se unindo ao governador de Pernambuco contra Aécio Neves. A
menos que haja uma explicação psicanalítica, não se trata de um problema
pessoal. Os dois sempre se deram bem, não obstante os 20 anos a mais de
Serra. O que está em jogo, e não se confessa, é o interesse de parcelas,
minoritárias, das elites econômicas de São Paulo, que, sem qualquer razão
objetiva, sempre viram, em Minas, a linha de resistência contra a hegemonia
política e econômica dos bandeirantes sobre a Federação. Os mineiros não querem
sobrepujar São Paulo, embora isso fosse natural e legítimo, porque uma nação só
cresce na sadia competição regional. Os mineiros querem crescer em uma nação
que cresça por igual. Qualquer um que conversar com o homem comum de Minas dele
receberá essa certeza.
A meio caminho entre o Norte e o Sul
históricos, e entre o litoral e o Oeste que eles, mineiros conquistaram em
parceria com os paulistas, os montanheses, formados pelos povos de todas as
procedências, não conseguem pensar fora do Brasil. O Brasil é o seu destino
inafastável. Longe do mar e sem fronteiras com o Exterior, Minas sempre será o
Brasil, mesmo na desgraçada hipótese de alguma secessão.
José Serra, desde o seu retorno, buscou o
poder. Ao formar seu Ministério, Tancredo se viu compelido a não aproveitá-lo,
nem aproveitar Fernando Henrique, mais por resistência do próprio PMDB de São
Paulo do que pelo seu próprio arbítrio. Como todos sabem, o partido, em São Paulo, estava
dividido entre Montoro e Ulysses, e os dois estavam ligados indissoluvelmente
ao governador.
Para não desagradar uma ou outra ala, em
momento difícil de conciliação nacional, o presidente eleito buscou
personalidades estranhas a esse dissídio interno do partido, convocando
Setúbal, Roberto Gusmão e Almir Pazzianoto para o Ministério. Talvez não fosse
a equipe dos sonhos de Tancredo, mas era a que as circunstâncias permitiam.
A partir de então, foi notável a
idiossincrasia de Serra contra os políticos mineiros. Itamar, logo depois
de ter escolhido um paulista para seu sucessor – o que demonstra o
espírito público nacional dos mineiros – passou a ser olhado com desprezo por
Serra, por Fernando Henrique, pela avenida Paulista e seus arredores.
Em 2010, os mineiros se movimentaram para
que Aécio fosse candidato à sucessão de Lula. O PSDB de São Paulo impediu essa
candidatura, embora Aécio houvesse proposto consulta formal às bases nacionais
do partido. Houve quem defendesse a candidatura de Serra sob o argumento da
precedência etária, como se os idosos tivessem preferência constitucional ao
poder. Aécio renunciou à postulação, elegeu-se senador e elegeu seu sucessor no
Palácio da Liberdade.
Agora, a sua candidatura à presidência de
seu partido – de que foi fundador – é claramente sabotada pelo ex-governador
José Serra e pelos seus aliados do PSDB de São Paulo. Com franciscano exercício
de paciência, Aécio esteve ontem, à noite, em São Paulo, buscando,
como é de seu dever, o entendimento improvável.
Depois do último encontro entre os dois,
houve a aproximação entre Serra e Eduardo Campos e se tornaram públicos
os elogios recíprocos entre o paulista e o pernambucano.
Eduardo é neto de Miguel Arrais, um dos
mais fiéis defensores do povo brasileiro. Ao ouvir o discurso de Tancredo, no
Colégio Eleitoral, em 15 de janeiro de 1985, o grande brasileiro disse que a
vitória do mineiro estava além de seus sonhos. A aliança entre Pernambuco e
Minas era vista como natural, na defesa da igualdade federativa no Brasil, como
já ocorreu na História. Mas, ao que parece, ela está impedida pela ambição do
poder de Serra, potencializada pela aspiração de Eduardo Campos à Presidência –
sob o apadrinhamento interessado de Roberto Freire, esse outro renegado dos
ideais juvenis.
Há nascidos em Minas que, pelas mesmas e
insanas ambições, traíram a honra de seu povo, como foi o caso dos que se
somaram aos americanos no golpe de 1964. Os autênticos mineiros, vindos de seu
solo ético, já recolheram ofensas semelhantes e guardarão mais essa nos
embornais de montanheses.
Se o PSDB de São Paulo, com os recursos
conhecidos, impedir a marcha de Aécio, ele pode retornar às suas inexpugnáveis
montanhas, e ao Palácio da Liberdade. Ali, com os braços livres, ele poderá, e
sempre tendo em mente as razões nacionais, escolher o seu caminho na sucessão
presidencial.
Minas, com sua História e seus valores, é a
sólida patriazinha de que fala Guimarães Rosa.”
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