Rui Martins, Direto da Redação
“Jorge Mario
Bergoglio, argentino, filho de emigrante italiano, foi rapidamente escolhido
pelos 115 cardeais como o sucessor de Bento XVI. E impressionou pela
simplicidade e pela maneira não convencional com que se dirigiu aos fiéis,
postados diante da Basílica de Roma.
Ao escolher o nome de
Francisco, estabeleceu uma ligação com Francisco de Assis, sacerdote católico,
no século XIII, conhecido pela sua identificação com os pobres, Bergoglio
confirmou o seu lado mais visível – o de um cardeal próximo do povo, que vive
como as pessoas comuns num apartamento, usando o transporte coletivo para se
locomover. Contam ainda que, nos encontros dos cardeais em Roma, Bergoglio
preferia sempre ir se sentar nos últimos lugares, sem querer se impor nas
primeiras fileiras.
Nisso, nessa vontade de
identificação com os fiéis pobres, comentou um jornalista da televisão
francesa, lembra a figura de Helder Câmara. Em termos doutrinários, ninguém
deve dele esperar aberturas ou pronunciamentos diferentes de João Paulo II ou
de Bento XVI, no que se refere à homossexualidade, à participação das mulheres
no sacerdócio da Igreja, na questão dos anticoncepcionais ou do aborto.
Nem poderia ser diferente,
pois os 115 cardeais eleitores, nomeados pelos dois Papas, citados, faziam
parte da corrente conservadora da Igreja. Mas é sempre bom lembrar para que seu
sorriso afável e seu jeito de avô bondoso não crie ilusões. Em termos
dogmáticos, tudo continuará como está, embora isso não seja, ao que nos parece,
uma boa opção católica para este mundo presente, pois reforça a impressão de
uma Igreja ultrapassada e fora da realidade atual.
Enfim, existe um outro
aspecto, ainda pouco falado mas já lembrado nos noticiários sobre a eleição do
novo Papa – a da posição do cardeal Jorge Bergoglio durante os anos da ditadura
argentina. Embora a Argentina continue sendo um país quase totalmente católico,
houve uma grande parte dos fiéis, que ainda se consideram católicos mas não
praticantes, decepcionados com a posição católica sob os ditadores
militares.
Os militares torturaram e
depois mataram cerca de 40 mil pessoas, a pretexto de fazerem uma limpeza
ideológica na Argentina, sem que a Igreja católica tomasse uma posição clara
contra esses assassinatos, muito ao contrário.
E entre os que adotaram uma
posição discreta, para alguns assimilada a uma cumplicidade, estava o cardeal
Jorge Bergoglio, hoje o Papa dos humildes, Francisco I, que logo será conhecido
como Papa Chico.
Existe um episódio,
envolvendo dois padres jesuítas como Bergoglio, que agiam nas favelas e bairros
pobres argentinos, como adeptos que eram da Teologia da Libertação. Orlando
Dorio e Francisco Jalic, seus nomes, foram sequestrados pelos esquadrões da
morte dos militares, durante meses. Chocado pelos meses e tortura e prisão,
Jalic, depois de libertado, foi viver num mosteiro alemão sem manter mais
contato com o mundo exterior.
Orlando Dório, que tinha ido
viver no Uruguai, acusou Bergoglio de ter permitido que fosse preso e de não
lhe ter dado proteção.
Outro episódio envolveu a
família De la Cuadra,
ativa defensora dos direitos humanos, que, em 1977, teve cinco de seus membros
sequestrados, só um deles tendo reaparecido. Ora, procurado para usar de sua
influência, Bergoglio se negou a ajudar a família e a localizar uma criança
nascida de uma das mulheres, presa em final de gravidez e assassinada na
prisão. O bebê foi entregue a uma família importante, única coisa que se soube.
Até que ponto o cardeal
Bergoglio foi responsável nesses três episódios ? Cerca de quarenta livros de
denúncias foram escritos na Argentina sobre o envolvimento da Igreja Católica
com os ditadores militares e sobre esses três episódios envolvendo o cardeal
Bergoglio. O próprio Bergoglio escreveu um livro negando essas suspeitas sobre
ele levantadas.
Bergoglio é hoje Papa, representante divino
no mundo ocidental, e nas suas conversas com Deus terá provavelmente
oportunidade de esclarecer seu comportamento, pois dizem que Deus tudo vê e
memoriza e que tudo que de mal é feito, mais dia menos dia, será revelado. Amem.”
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