O jogo real da sucessão

Os brasileiros devem ficar sinceramente comovidos com os sucessivos esforços de muitos observadores para criar uma oposição viável na eleição presidencial de 2014.

Paulo Moreira Leite, Época / Blog

Isso inclui transformar em manchete uma frase espirituosa de Fernando Henrique Cardoso sobre Lula – aquela em que o chamou de presidente adjunto. Também inclui dar um tratamento nobre a uma frase baixa, aquela em que dizia que Dilma cuspia no prato em que comeu. O mesmo vale para o destaque que se dá à frase de Aécio Neves em que pede para Dilma descer do palanque, lugar comum que só a amizade dos meios de comunicação permite que seja impressa.

Esses esforços são comoventes porque representam uma tentativa de salvar a candidatura de Aécio Neves e aquilo que ela tenta representar  – a continuidade do projeto político que Fernando Henrique representou e tem sido sucessivamente esvaziado a partir da derrota José Serra para Lula em 2002.  Após três derrotas consecutivas, o PSDB se encontra sob ameaça real  de virar uma legenda secundária, incapaz de falar às grandes massas do eleitorado e se apresentar como alternativa real de poder. E é por isso que Aécio começa a ser atacado por dentro da própria oposição. Não se quer correr o risco de uma quarta derrota para uma coalizão que, de forma lenta, moderada, incompleta, com várias distorções conhecidas e admitidas, tem aberto pequenas mas importantes brechas num sistema de dominação histórico, que raras vezes foi contestado desde a chegada das  caravelas de Pedro Álvares Cabral, vamos dizer assim.

Este é o significado real da candidatura de Eduardo Campos, a costela de Lula que adversários do PT e do governo Dilma tentam fortalecer de todas as maneiras. Eu não sei e acho que ninguém sabe até onde Eduardo Campos pode chegar para se tornar o adversário predileto dos oposicionistas históricos de Lula e Dilma. Não se sabe quantas caravelas irá incendiar nem quantos compromissos precisará  romper. Vai se tornar um tucano por dentro e socialista por fora? Ou vice-versa?

O certo é que o PSDB é o primeiro prejudicado por seus movimentos. Sempre que Eduardo Campos ganha uma manchete, é um trunfo que o candidato tucano deixa de receber. Sempre que um empresário lhe oferece apoio, é Aécio que está sendo abandonado. Cauteloso para tomar uma iniciativa que pode lhe custar um histórico político que é herança do avô e padrinho Miguel Arraes, Eduardo Campos hesita porque está num jogo em que não pode perder. Ou realiza a façanha dificílima de derrotar uma presidente com mais de 60% de aprovação popular ou volta para o fim da fila em caso de fracasso. Será descartado tanto pelos que hoje o bajulam como melhor chance para vencer Dilma como por aqueles que o admiravam em grande parte por ser aliado de Dilma e Lula.

Em qualquer caso, Eduardo Campos não pode dar nenhum passo sem frente sem tirar oxigênio de Aécio. Colocando-se no aposento oposicionista, onde sobra gás carbônico e falta ar fresco, só pode crescer na medida em que Aécio diminui. E é esse o espetáculo a que se assiste no momento. Os suspiros do PSDB é que alimentarão a candidatura do PSB.

Embora a torcida anti-Dilma faça muito barulho junto à opinião publicada, que não deve se confundir com a opinião pública, o problema da oposição é separar desejo de realidade. No plano dos desejos, a torcida mostra uma agressividade distorcida, que não tem relação com a economia real nem com os brasileiros de verdade. Às vezes, nem com empresários de verdade. O desemprego continua o menor da história. A distribuição de renda prossegue e a maioria dos indicadores econômicos sugere que os dois anos finais do primeiro mandato de Dilma devem ser melhores do que os dois primeiros.

Mas a luta continua por meio de  alguns truques conhecidos. O  principal consiste em prosseguir num esforço permanente para atingir Lula. As mesmas pessoas que dizem que Lula deveria desencarnar do governo Dilma não se incomodam com as frequentes intervenções de FHC na conjuntura política. Enquanto as palavras de Lula sempre são vistas como expressão de uma ambição  incontrolável, Fernando Henrique recebe uma nova versão do presidente acidental, aquele que chegou ao Planalto sem jamais fazer força e não tem responsabilidade alguma pelo que ocorreu de ruim em seu governo – apenas pelo que aconteceu de bom.  O tom geral é que FHC é um homem público desinteressado e altruísta. Sua competência é descrita com tanta generosidade que lhe atribuem até mesmo aquilo que aconteceu de bom nos anos Lula – quando até a estabilidade econômica teve de ser reconstruída depois do colapso de 2002, do apagão, da recessão e de uma acordo ajoelhado com o FMI. Embora tenha saído com popularidade negativa do Planalto, FHC conta com aliados muito exaltados. Eles gostam de descrevê-lo como um certo sabonete dos anos 1970, que valia por dois.  

Quando procurava uma aproximação  com o governo Dilma, após concluir que não tinha futuro ao manter-se atrelado a seu antigo aliado e protetor José Serra, o então prefeito Gilberto Kassab declarou que fundaria um partido que não era de esquerda nem de direita – e passou por um corredor polonês de críticas e acusações de oportunismo. Ao lançar a sua Rede, Marina Silva evitou definir-se a respeito de uma questão à prova de qualquer complexidade. Afirmou que seu partido não era da oposição nem do governo – distinção necessária em qualquer regime que admite a alternância no poder – e todo mundo achou profundo. Disse que Dilma não entende a “nova economia” e ninguém achou que seria prudente perguntar o que está errado com a distribuição de renda e o emprego. Em Kassab, a dissimulação foi vista como prova de nossa miséria política. Em Marina, como sinal de maturidade.

São favores e gestos de simpatia de um vale-tudo que não resolve a questão do poder num país com 100 milhões de eleitores, mas que tem lá sua serventia. Sem querer exagerar o poder de influência da opinião publicada, eu acho que não deve ser por pura coincidência que seus candidatos prediletos sempre conseguiram chegar -- pelo menos --  ao segundo turno de todas as eleições  presidenciais desde a volta das diretas, em 1989. A vida real é outra coisa, porém. E é porque procura sintonizar-se com ela que Eduardo Campos mantém o PSB em cargos de confiança do governo Dilma e disse ao repórter Claudio Dantas Siqueira, da ISTOÉ, que só tomará uma decisão em janeiro de 2014.”

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