Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação
“Preconceito e
privilégio são palavras que caminham lado a lado, nessa ainda longa estrada que
o Homem tem que percorrer para poder afirmar-se como efetivamente civilizado. Drummond
escreveu um poema , “Science Fiction”, em que, paradoxalmente, imagina um ET
que foge do convívio com o ser humano por temer a desumanidade que existe no
Homem, visto pelo extraterrestre como “um ser que no existir põe tamanha
anulação de existência”.
Essas considerações vêm a
propósito dos constantes episódios de discriminações e posturas egocêntricas
que cercam os noticiários com os mais diversos tons , que vão do inocente ,
folclórico ou ridículo ao comprometedor, vergonhoso e trágico.
No lado trágico da coisa,
estão aí excrescências como a recente indicação e eleição, por falsos
representantes do povo, de um deputado de posturas homofóbicas, que responde
por estelionato , um pastor evangélico de posições altamente preconceituosas,
para presidir uma comissão intitulada como dos “direitos humanos”. Alguém capaz
de proferir frases absurdas que povoam o noticiário, com expressões que vão
desde “a podridão que envolve os sentimentos dos homofóbicos” , passando por “africanos
descendem de ancestral amaldiçoado” e chegando a afirmações de que Deus não
concederá milagre a determinado fiel se ele não fornecer a senha do cartão de
crédito. Pensando nos problemas por que passa uma outra religião, mas partindo
do pressuposto (para quem acredita) de que Deus é um só, deve ser por algo
similar que o Papa renunciante falou sobre momentos em que Deus parece estar
dormindo...
Para abrandar um pouco este
fato político abjeto, vamos ao campo do ridículo. Uma nota do colunista Anselmo
Góis do dia 04.03 dá conta de que estaria em curso uma movimentação das elites
no sentido da construção de um cemitério para os ricos, na Barra. Não pesquisei
depois para conhecer detalhes da verdade atrás do noticiário. Talvez fosse
descobrir que a ideia surgiu num dos momentos da soneca divina. Verdadeiro ou
falso, o propósito é mesmo típico de pessoas que “não querem se misturar”.
E essa busca da distinção póstuma vem existindo desde que o homem é homem ,
bastando comparar os suntuosos mausoléus que se espalham pelo mundo com os
milhões de covas rasas que abrigam os desvalidos
Confesso que cheguei pensar
em me divertir um pouco com o tema, escrevendo um artigo inteiro no qual a
imaginação construiria um cemitério elitista, concebido com uma mescla dos
valores dos ricos e novos ricos de plantão. Será que se exigiriam porteiros e
coveiros academicamente sarados , com visual apresentável, a antiga “boa
aparência”, para compensar a ideia da futura decomposição dos corpos dos
enterrados? Empregadas e babás só poderiam entrar uniformizadas (de preto) e
com crachás ostentando no peito o nome... das patroas? Haveria uma sala VIP,
com farta mesa de canapés e salgadinhos, champanhe ou cerveja à vontade, onde
se poderiam debater problemas mais imediatos, como herança, inventário e coisas
do gênero ? Haveria tapetes vermelhos, ternos Armani e vestidos de marca na
caminhada rumo ao túmulo? Será que existiriam “caixões auxiliares” para
acompanhar o do morto, que levaria consigo as riquezas amealhadas em vida?
Paro por aqui, até porque
essa última hipótese – riquezas levadas para o túmulo - por razões óbvias,
ligadas às tais heranças e inventários, estaria fora de cogitações...
Felizmente, a ironia é do
mundo dos vivos e tudo isso é apenas uma brincadeira com uma ideia elitista dos
que, não satisfeitos com os injustos privilégios da vida, aproveitando-se de um
mero cochilo de Deus, os imaginam também depois de mortos. Certamente não
ouviram nunca a “Banca do Distinto”, do Billy Blanco, com versos antológicos
que refletem a sabedoria popular: “Mais alto o coqueiro, maior é o tombo do
coco; afinal, todo mundo é igual quando o tombo termina, com terra por cima, e
na horizontal”.
Voltando ao vergonhoso fato
político do Congresso, com o qual não dá para brincar, precisamos aderir à
turma de combate ao golpe nos direitos humanos, participando dos movimentos que
estão surgindo na rede. O deputado “eleito” já começa a pôr as primeiras
manguinhas de fora, dizendo ao que veio, ao imaginar ressuscitar nos colégios
as malfadadas aulas de Moral e Cívica que nos remetem ao tempo da ditadura e
implantar nas escolas a obrigatoriedade do ensino religioso, o que contraria a
vocação leiga da educação e só pode estimular estéreis querelas
fundamentalistas que não cabem no espaço escolar.
Reverter o quadro que infelizmente colocou
um defensor de valores desumanos e/ou retrógrados na presidência da Comissão é
uma exigência da democracia, da cidadania, da dignidade da pessoa humana. Depois,
ou ao mesmo tempo, já que falamos em reminiscências da ditadura, temos que
cuidar do Marin...”
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