Foto: ©AFP / Vincenzo Pinto |
Matheus Pichonelli,
CartaCapital
“Vamos combinar: não deve ser fácil ser
papa hoje em dia. Quando
foi escolhido para comandar a Santa Sé, em 2005, as ferramentas que mudariam os
canais de interlocução entre o público e as autoridades eram ainda uma
novidade. Havia internet, havia uma cobertura intensa do conclave, havia todo
tipo de análise de todos os calibres sobre o futuro da Igreja Católica.
Quase oito anos depois, Bento 16, sem o
carisma do antecessor João Paulo II, tinha nas costas não apenas a missão
de estancar a hemorragia de fiéis num tempo de convicções seculares, mas
também a de atrair um público jovem cada vez mais conectado, cada vez mais
ativo, cada vez menos interessado em verdades inabaláveis. Não foi por outro
motivo que o papa aderiu ao Twitter, um púlpito bem diferente daquele a que
todos os antecessores, a começar por São Pedro apóstolo, haviam reinado.
Oficialmente, a renúncia de Joseph
Ratzinger é explicada pela saúde debilitada. Há relatos sobre ordens médicas
para que evitasse grandes deslocamentos para se poupar. Em livro de memórias,
ele já havia manifestado o desejo de deixar o pontificado caso a saúde
limitasse sua missão. É uma explicação plausível, dada a idade avançada do sumo
pontífice (ele tem 85 anos). Mas há também de se levar em conta a discrepância
entre a missão herdada e a capacidade de Bento 16 conduzi-la.
Os canais de interlocução que ora eram
anunciados como pontes entre a Igreja e os novos tempos são as mesmas a expor
as fraturas expostas de uma instituição combalida. Os inúmeros, incontáveis
escândalos sexuais e outros desvios protagonizados por quem detém,
supostamente, o monopólio da fé, da bondade e da caridade hoje não permanecem
mais de dois minutos debaixo do tapete. As reações também.
O resultado é que, embora conectados
a ferramentas atualizadas de comunicação, o papa e sua Igreja seguiram com um
velho discurso construído em dogmas e tabus pouco atualizados do século
primeiro até aqui. Num mundo que pede igualdade de oportunidades, direitos e
deveres, o papa discorria sobre os “perigos” do casamento gay e condenava os
avanços que tornaram a humanidade melhor, mais humana e mais livre em relação a
tempos remotos (como a camisinha, a pílula e o desapego às instituições
familiares e patriarcais). Não que este anacronismo estivesse ausente em
postulados recentes; é que, antes, as tecnologias não permitiam tal
assimilação. Como o papa relutante de Nanni Moretti, que em seu Habemus Papam
parecia ter previsto uma fábula sóbrio o vácuo de liderança do mundo
atual, Bento 16 pode ter se dado conta de que sua posição não o tornou imune ao
escrutínio humano. Num passado recente, a aura em torno de uma autoridade e seu
circulo de asseclas eram barreira protetora diante das demandas e manifestações
populares. O exercício de poder é um exercício, portanto, de autoilusão, até
que alguém da rua grite que o rei está nu.
Hoje esta distância praticamente inexiste:
os canais de interlocução criam reações automáticas, assustadoramente rápidas
até para nativos digitais. Em outras palavras: aqui se paga o que se fala,
o que se escreve. E nunca foi tão fácil descobrir o quanto um líder é amado ou
odiado.
Se em algum momento o papa Bento 16 se
perguntou “que rei sou eu”, a internet e outros canais não o deixaram sem
respostas, estas que faltam na Bíblia e sobram nas ruas.”
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