Carlos Castilho, Observatório da Imprensa
“Desde que a internet deu às pessoas a possibilidade de publicar notícias na rede, os jornalistas e marqueteiros ficaram hipnotizados pelos conteúdos gerados por usuários, mais conhecidos pela sigla em inglês UGC – user generated content. Mas agora começam a se tornar cada vez mais fortes os indícios de que o polêmico jargão cibernético está sendo superado pelos conteúdos distribuídos por usuários, ou UDC – user distributed content), ainda mais enigmáticos e muito mais importantes, especialmente para a sobrevivência da imprensa.
Os conteúdos gerados por usuários (UGC) formam a base do material publicado por internautas no Facebook, blogs, páginas web pessoais, Twitter, chats, fóruns e nos comentários postados em sites de jornais, revistas, páginas de avaliação e recomendação, só para citar as mais conhecidas. Os UGC são um dilema para os jornalistas e uma obsessão para o marketing.
Um dilema porque até agora não há um consenso entre os jornalistas sobre como lidar com o material enviado por leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Há fortes resistências provocadas por incertezas quanto à confiabilidade, exatidão e padrões de qualidade informativa. O marketing está mais avançado na normatização no uso das informações e dados fornecidos por usuários da Web.
Uma pesquisa feita pelo professor finlandês Mikko Villi junto a jornalistas em seu país, mostrou que a frequência dos UGC se estabilizou a partir de 2010 e pouco evoluiu em matéria de coprodução de notícias entre usuários e profissionais. A produção colaborativa ficou longe dos prognósticos otimistas feitos por alguns autores como o norte-americano Henry Jenkins, e cresceu apenas na quantidade de fotografias e vídeos enviados pelo público.
A mesma pesquisa trouxe uma surpresa para Villi. Metade dos entrevistados se mostrou mais preocupada com o uso dado pelos leitores às notícias publicadas do que com a produção colaborativa. O modus operandi dos conteúdos distribuídos por usuários (UDC) foi considerado chave como radar para identificar tendências e preocupações, bem como um indicador da fidelização dos leitores.
O pesquisador finlandês sugere que a imprensa e os jornalistas passem a dedicar uma atenção às audiências no mínimo igual à dada à produção de notícias. A recomendação abre para os profissionais uma nova área de trabalho, pois até agora, a preocupação quase exclusiva dos jornalistas era publicar. O que acontecia depois era problema dos marqueteiros e distribuidores.
Embora os dados da realidade ainda sejam escassos devido à falta de pesquisas, a sugestão de Villi faz sentido por conta de uma observação quase óbvia. A principal habilidade do jornalista é selecionar e editar notícias. A maior vantagem do usuário é saber como, quando e para quem distribuir as notícias publicadas na imprensa. Logo, as duas partes só terão a ganhar se integrarem as suas capacidades.
Mas para que isso aconteça é necessário que os jornalistas deixem de considerar o público como uma massa passiva e uniforme para encará-lo como um conjunto proativo e segmentado em centenas de microcomunidades de interesses e necessidades. Por razões igualmente óbvias, é impossível ao público chegar a um consenso sobre como impor uma política de colaboração à imprensa e aos jornalistas.
O que os estrategistas da imprensa chamam de público, na verdade é um conjunto de microrredes aglutinadas em torno de microinteresses. No atual cenário de competição feroz por audiência, sobrevive quem conseguir captar o interesse e fidelizar estas microrredes, com informações e notícias que atendam a suas necessidades e desejos. Para que isso aconteça é indispensável conhecer estes micropúblicos. Daí a necessidade de passar a se preocupar em como os usuários distribuem informações e notícias.
O finlandês Villi e vários outros pesquisadores acadêmicos afirmam que o consumo de informações está deixando, cada vez mais, de ser um ato individual para se transformar numa experiência coletiva compartilhada. A prova dessa tendência está no compartilhamento e recomendação de notícias entre grupos de pessoas em redes como Facebook e Google +. A exemplo de milhares de outros usuários da internet, o meu cardápio diário de notícias é formado majoritariamente por recomendações de amigos e de sites nos quais confio.
A esmagadora maioria das notícias recomendadas foi publicada pela imprensa convencional, o que mostra a sua relevância na produção de notícias. Mas todo o esforço para produzir e distribuir uma notícia resultaria inútil se ela não for referenciada por alguém ou alguma organização da confiança do usuário. É aí que entra o processo que ganhou o nome de curadoria social de notícias, uma novidade incorporada pela internet ao processo de produção de notícias.”
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