João Sicsú, CartaCapital
“Após dez anos de governos do PT, pode-se
detectar uma importante melhora no perfil da distribuição da renda no País. Não
vivemos em nenhum paraíso. Muito longe disso. Mas, em contrapartida, a situação
é muito melhor que a do final dos anos 1990 e início dos anos 2000.
O índice de Gini foi reduzido. Este índice
mede a distribuição da renda e varia entre 0 e 1. Quanto mais próximo de 1,
maior a desigualdade e quanto mais próximo de zero, maior a igualdade. O Gini
brasileiro caiu de 0,585, em 1995, para 0,501, em 2011. Contudo, este é um
número que ainda está distante dos índices de países tais como França (0,308)
ou Suécia (0,244).
No início dos anos 1960, o Brasil possuía
um Gini inferior a 0,5. Entretanto, os governos militares (1964-1985) adotaram
um modelo de crescimento econômico com concentração de renda. O Gini subiu. Em
meados dos anos 1990, com a queda da inflação, o índice de Gini sofreu uma
redução.
O índice de Gini é calculado com base na
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. Mais de 96% das
rendas declaradas na Pnad correspondem às remunerações do trabalho e às
transferências públicas. Sendo assim, a desigualdade medida pelo Gini/Pnad não
é adequada para revelar a distribuição da renda entre trabalhadores, de um
lado, e empresários, banqueiros, latifundiários, proprietários de imóveis
alugados e proprietários de títulos públicos e privados, de outro. O índice de
Gini não revela a participação das rendas do trabalho e do capital como
proporção do Produto Interno Bruto (o PIB, que é o valor de todos os serviços e
bens que são produzidos).
Além do Gini, é preciso analisar a
distribuição funcional da renda: capital versus trabalho. O processo de
desconcentração da renda que está em curso no Brasil vai além da redução do
índice de Gini. Ocorre, principalmente, devido ao aumento da participação dos
salários como proporção do PIB.
Houve uma trajetória de queda da razão
salários/PIB de 1995 até 2003, quando caiu a um piso de 46,23% (incluindo as
contribuições sociais dos trabalhadores e excluindo a remuneração de
autônomos). A partir de então, houve uma inflexão na trajetória, que se tornou
ascendente. O último dado divulgado pelo IBGE é de 2009. Neste ano, a
participação dos salários alcançou 51,4% do PIB superando a melhor marca do
período 1995-2003, que foi 49,16%.
São variadas as causas do movimento
positivo de aumento da participação dos salários no PIB. O rendimento médio do
trabalhador teve um aumento real significativo entre 2003 e 2012. Houve
um vigoroso aumento real do salário mínimo nos últimos dez anos. E houve
redução dos juros pagos pelo governo aos proprietários de títulos públicos e
redução dos juros cobrados das famílias pelos bancos.
O índice de Gini/Pnad e a participação
percentual das remunerações dos trabalhadores no PIB são medidas
complementares. Ambas representam dimensões da desigualdade e do
desenvolvimento socioeconômico do país. As duas medidas mostram que o
desenvolvimento socioeconômico brasileiro está em trajetória benigna desde
2003-4. Elas mostram também que no período anterior (1995-2003) as rendas do
trabalho perdiam espaço no PIB para as rendas do capital.
A recuperação do poder de compra dos
salários foi o principal pilar da constituição de um imenso mercado de consumo
de massas que foi constituído no Brasil nos últimos anos. Foi a formação desse
mercado que possibilitou ao Brasil sair apenas com pequenos arranhões da crise
de 2008-9. O desenvolvimento econômico e social brasileiro depende, portanto,
do aprofundamento do processo distributivo em curso. Não existirá
desenvolvimento sem desconcentração de renda.”
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