“A imprensa construiu e destruiu Collor.
Depois disso, se dedicou a defender seus próprios interesses
Collor e a ex-mulher em sua posse |
“A queda de Fernando Collor de Mello, há 20
anos, foi a última demonstração de força e influência da imprensa brasileira,
para o bem e para o mal. Collor, um político provinciano e oco, tagarela e
bonitão, se tornou uma figura nacional graças à mídia, que viu nele uma
alternativa salvadora a – sempre ele – Lula na presidência.
Collor seria consagrado como “o caçador de
marajás” por jornais e revistas. Era descrito pela mídia como o homem perfeito:
combatia marajás – os funcionários públicos de altos salários – e era moderno. Este
foi o primeiro empurrão em Collor, e lhe permitiu chegar ao segundo turno das
eleições presidenciais.
Sua plataforma era a versão tosca em
português da de Margaret Thatcher, que então era tida como uma semideusa. Não
haviam aparecido ainda os efeitos sinistros do thatcherismo. Hoje eles são
claros, impressos que estão na grande crise econômica e financeira mundial. Mas
quando Collor virou um pretendente sério à presidência a fórmula de Thatcher –
desregulamentar e privatizar — parecia funcionar.
Como um Thatcher de calças, Collor cortejou
e conquistou Roberto Marinho, à época considerado amplamente o homem mais
poderoso do país. Isso foi essencial para o segundo empurrão dado em Collor: a
edição mal-intencionada da TV Globo do debate entre ele e Lula às vésperas da
eleição. Lula não foi bem no debate, mas na edição da Globo – vista por uma
audiência gigantesca que já não existe mais para a emissora – ele foi ainda
muito pior. E então nosso Thatcher virou presidente.
Collor cometeu o erro de achar que, porque
andara de avião, podia voar sozinho. Foi fatal. Não buscou alianças políticas,
e não soube manter sequer o apoio da mídia que tanto contribuíra para sua
vitória. Sem base política, foi jogado para o abismo pela mesma mídia que o alçara
ao Planalto.
Foi o apogeu da imprensa como força
política.
Em 1964, ela participara ativamente das
ações para a derrubada do presidente João Goulart – mas o papel principal coube
aos militares.
Em 1992, o protagonismo foi da mídia.
Passados vinte anos, o poder da imprensa é uma sombra do que foi. Em parte porque
a internet foi ocupando um espaço cada vez maior. Mas também porque as grandes
corporações de jornalismo não souberam captar o zeitgeist, o espírito do tempo.
E isso é fatal no jornalismo.
Em 1992, por exemplo, ler a Folha era
considerado coisa de gente bacana. Ela captara o espírito do tempo na campanha
das Diretas Já. Hoje, na nova geração de leitores, quem se importa com a Folha?
O espírito do tempo agora se manifesta em coisas como a inconformidade com a
iniquidade social monstruosa que varreu o mundo. Na agenda de que grande
empresa de mídia se vê algum traço desse inconformismo?
A maior demonstração da crescente falta de
potência está nos resultados das três últimas eleições presidenciais. Ganharam
candidatos – Lula e Dilma – que jamais gozaram do apoio da mídia, para dizer o
mínimo.
É bom ou ruim o enfraquecimento da mídia
estabelecida para o Brasil? É difícil lamentar a perda de influência. O Brasil
que as grandes empresas de jornalismo ajudaram a construir era simplesmente
insustentável em sua iniquidade, na forma absurda com que era distribuído o
bolo, no número abjeto de miseráveis amontoados em favelas.
No mundo perfeito, a mídia teria apontado
esse drama e lutado para corrigi-lo. Não fez. Fez o oposto, na verdade: se
alinhou à manutenção de privilégios e de mamatas. Por isso, vinte anos depois
da queda de Collor, fala apenas para os privilegiados – e não todos eles, mas
aqueles que em seu egoísmo sem limites ignoram e desprezam os desfavorecidos.”
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