Luciano Martins Costa, Observatório daImprensa
"Quanto vale uma manchete de jornal?
O texto da Folha tem como fonte avaliações da consultoria americana EFPR, especializada no acompanhamento dos movimentos de capitais ao redor do mundo, e usa como base as opções de grandes gestores financeiros, como os também americanos Pimco e BlackRock.
O jornal paulista se vale do velho truque de mudar os períodos de análise, sem avisar o leitor, para forçar uma interpretação predeterminada dos fatos. Note-se, por exemplo, que a reportagem começa com base no cenário do final do ano passado, comparando-o ao período de três anos anteriores, afirmando que “o percentual do portfólio de fundos de ações especializados em mercados emergentes investido no Brasil caiu de 16,7% no fim de 2009 para 11,6% em novembro (de 2012), o patamar mais baixo desde 2005”.
Já essa referência ao “patamar mais baixo desde 2005”, fora do período proposto para análise, entra na missa para reforçar o credo. Por que não incluir, por exemplo, o patamar de 2003?
Momento de insanidade
Mais adiante, o texto afirma que “o país vem perdendo espaço nos fundos globais de ações. A fatia desses fundos investida no país chegou a ficar acima de 2% no início de 2012, mas recuou para 1,2% no fim do ano, menor nível desde o fim de 2008”, pontifica o diário paulista.
Um pouco além, o jornal inclui novo período de análise, ao afirmar que “a parcela investida no mercado doméstico brasileiro pelo principal fundo de renda fixa em mercados emergentes da Pimco atingiu em junho passado cerca de 7,3% (menor que a de México e África do Sul). Em 2007, esse percentual era de 20,3%”, acrescenta, inflacionando a base de referências sem explicar por que esse ano foi escolhido para a comparação.
Certamente, porque, pouco antes da crise financeira de setembro de 2008, esse foi o ponto mais elevado no movimento especulativo de capitais que o jornal encontrou em seus registros.
Ora, qualquer pessoa que leia jornal regularmente sabe que em 2007 os juros elevados transformavam os investimentos em renda fixa numa ótima opção. Não apenas os grandes fundos, como os administrados pela Pimco, mas também os pequenos investidores individuais optavam muitas vezes por essa forma de aplicação.
Depois da crise de 2008, o cenário se transformou radicalmente, o que induziria a considerar que o período entre o final de 2007 e o final de 2008 concentrou o pior momento da insanidade do mercado. Ainda assim, a renda fixa seguiu ganhando adeptos no Brasil por mais dois anos.
Tsunami monetário
Em outubro 2010, diante do apetite do mercado internacional por aplicações especulativas, o governo brasileiro resolveu aumentar a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras para investimentos estrangeiros em renda fixa e sobre ganhos na Bolsa de Valores.
No início de abril de 2012, a presidente da República provocou descontentamento de governantes europeus ao se referir, durante evento na Alemanha, a um “tsunami monetário” promovido por movimentos especulativos dos países ricos, o que estaria produzindo extrema volatilidade nos mercados emergentes. Logo depois, o governo brasileiro tomou novas medidas para controlar esse fluxo de dinheiro indesejado, procurando estimular investimentos produtivos.
É exatamente o resultado dessa política que a Folha de S. Paulo tenta transformar em acontecimento negativo em sua manchete da edição de segunda-feira. A reportagem traz em si mesma o antídoto para a manchete, mas o raro ponto de sensatez está perdido no meio do texto. Diz o seguinte:
“Em 2010, o governo aumentou de 2% para 6% a alíquota
do IOF que incide sobre aplicações de estrangeiros em papéis de renda fixa. Isso
está impedindo investimentos de longo prazo no mercado de renda fixa”.
Ora, se esse era exatamente o objetivo do
governo ao aumentar a alíquota do IOF – ou seja, reduzir o fluxo de recursos de
curto prazo não destinados ao setor produtivo, que ajudavam a sobrevalorizar o
real, qual é o significado da manchete?”
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