Lula pede a intelectuais criação de 'doutrina' da integração latino-americana


Segundo o ex-presidente, "integração
é uma palavra fácil de ser falada, mas
difícil de ser colada em prática"
(Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula)
Encontro com acadêmicos e pensadores de diversos países da região ocorre em São Paulo


Na abertura do encontro com intelectuais sul-americanos de esquerda, que ocorre hoje (21) num hotel de São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou da necessidade de juntar os pensadores da região para a construção de uma “doutrina” da integração latino-americana. Segundo Lula, a ideia vem amadurecendo desde seu primeiro mandato presidencial.

O ex-presidente considera a integração é “uma palavra muito fácil de ser falada, mas muito difícil de ser colocada em prática, tais os problemas políticos, as incompreensões e os preconceitos” que cercam o tema.

“Lamentavelmente, aqui na América Latina se adotou uma política esperta, de nos dividir. (...) Sempre houve preconceito, sempre houve uma preocupação maior de relação preferencial com os EUA... ou com a Europa... ou com qualquer um, menos entre nós mesmos. Entre nós existia um processo de desconfiança generalizado. E era uma coisa cultural, porque vem inclusive muito baseada na formação de nossos embaixadores, de preconceitos e mais preconceitos entre nós. Não tem explicação, depois de mais de 500 anos, eu inaugurar a primeira ponte entre Brasil e Bolívia; não em explicação, depois de mais de 500 anos, eu inaugurar a primeira ponte entre Brasil e Peru. Nós estávamos, de forma muito conscientes, voltados para a Europa e os EUA, e de costas para nós”, disse Lula.

Ele adiantou que a ideia agora é os intelectuais dos vários países trabalharem em conjunto para fornecer subsídios não apenas aos governos, mas também à sociedade.

“Queremos aprender com vocês, saber o que vocês estão pensando esse tema na academia (…) para que sejam criados instrumentos para avançar na integração.”

Debates

Após a fala de Lula, a primeira mesa de debates teve Aldo Ferrer, economista, ex-ministro da Economia, atual embaixador da Argentina na França, e Marco Aurélio Garcia, assessor de Relações Internacionais da Presidência da República do Brasil.

As intervenções ressaltaram que a América Latina vive um momento de avanços, com governos progressistas, democracia avançando e melhorias sociais. "Nunca tivemos um momento tão propício para este debate", destacou Aldo Ferrer, que ressaltou três mudanças fundamentais que já aconteceram, a melhora na qualidade das lideranças, o que possibilitou a ênfase no social; o fracasso do neoliberalismo e da crença de que o mercado sozinho resolveria a todos os problemas e a consolidação da democracia.

Marco Aurélio Garcia alerta, no entanto, que não se pode tratar esse momento como “um parêntesis progressista em uma história conservadora”. As políticas sociais parecem ser a grande marca desse novo direcionamento progressista da região, com resultados concretos que já têm proporcionado.

Diversas intervenções dos intelectuais coincidiram ao apontar a necessidade  de uma ênfase na inovação, na técnica e na indústria com maior valor agregado. “Brasil e Argentina vendem juntos dois terços das proteínas do mundo, mas não agregam valor a esses bens”, disse o economista argentino Bernardo Kosacoff, ex-diretor da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), lembrando que é necessário aproveitar o enorme mercado interno da região e “levantar nossa auto-estima”. O senador uruguaio Alberto Curiel também enfatizou a necessidade de infraestrutura produtiva integrada e mais valor agregado aos produtos da região. “Temos vários desafios que eu não sei como resolver. É preciso falar com empresários, o Lula está fazendo isso, é preciso falar com trabalhadores, o Lula está fazendo isso, é preciso falar com movimentos sociais, e o Lula já fez isso…”

Curiel criticou, no entanto, a falta de planejamento estratégico, embora reconheça os avanços sociais em toda região. Salomón Lerner, ex-primeiro ministro do Peru, concordou. “Hoje, quem planifica, quem faz pensamento estratégico são as multinacionais. A participação dos grupos políticos no governo é cada vez menor. A questão é como fazer para que essas militâncias, no momento progressista em que vivemos, participem da política. E não que a política seja discriminada como incapaz, corrupta e inoperante.”

O cientista político uruguaio Álvaro Padrón se uniu ao coro ao comemorar os avanços significativos na redução da pobreza e da desigualdade, mas alertou para os limites desse processo. “Foi a primeira vez que tivemos democracia, crescimento, distribuição de renda. Mas isso só não se traduz em desenvolvimento. Precisamos ter ganhos de produtividade, sem isso, atingiremos um limite muito em breve. Esse é o desafio fundamental.”

A cientista política Ingrid Sarti, presidente do Fórum Universitário Mercosul (FoMerco) agradeceu ao Instituto Lula por intervir justamente no desafio de levar o pensamento da academia para as instâncias decisórias. “Como professora, faço parte desse trabalho árduo de pesquisa, que muitas vezes acaba engavetado. É muito importante que o Instituto Lula possa ser um motor dessa articulação e dar algum auxílio à formação de políticas públicas.”

Theotonio dos Santos, economista da Universidade Federal Fluminense, afirmou que uma integração comercial daria mais poder de negociação internacional à América Latina. “O Chile tem 40% do cobre do mundo e entregamos esse produto abrindo mão da capacidade de influenciar o preço internacional dele.”

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