“Está faltando pelo menos um verbete nos
manuais de redação da mídia tradicional; para dar transparência a práticas de
editorialização do noticiário, distorção de fatos e engavetamento de
informações que desagradam aos veículos; sem assumir o seu Ativismo, o que as
publicações mais ricas do País têm feito nos últimos meses não passa de
política disfarçada de Jornalismo
A julgar pelos destaques e ausências no
noticiário recente apresentado ao público pela mídia tradicional, ao menos um
verbete está faltando nos manuais de redação de jornais como a Folha de S.
Paulo, O Estado de S. Paulo e O Globo, emissoras de televisão como a Rede Globo
e editoras de revistas como o Grupo Abril. Começa com a letra A e não consta de
nenhuma das publicações que, inicialmente internas, ganharam as livrarias para
serem consumidas pelo público em geral: Ativismo.
Um dos significados para Ativismo
encontradas no Dicionário Houaiss é o de "propaganda a serviço de uma
doutrina ideológica, partidária, sindical etc". Outra: "Gênero de
literatura com conteúdo político, literatura engajada".
Não é difícil concordar que, nos últimos
meses, a mídia tradicional, muitos de seus colunistas e até mesmo repórteres
entraram fundo na seara do Ativismo, deixando, desta forma, por diversos
momentos, a trilha bem mais iluminada do Jornalismo. Nesta, os parâmetros da
isenção e equilíbrio tolhem derrapagens como o preconceito, o pré-julgamento e
a adjetivação. Estabelecem, ainda, a pluralidade, abrindo espaços para o
contraditório a informações, avaliações e opiniões. Naquela, sombras, obstáculos
e barreiras se apresentam na busca pela verdade.
Num caso clássico de Ativismo, que já faz
parte da história proibida da Rede Globo, a que não entra inteira nos livros de
contos de fadas escritos por jornalistas como Pedro Bial e chefões como o Boni,
o Jornal Nacional não veiculou, na véspera da eleição municipal do ano passado,
notícia com os resultados da última pesquisa Ibope antes do primeiro turno. Corretamente,
o levantamento adiantava que o petista Fernando Haddad iria para o segundo
turno com o tucano José Serra. Retornando às trevas da década de 1980, quando a
ditadura militar ainda vigia e a Globo produziu o escândalo Pró Consult, pelo
qual uma contagem paralela aos votos oficiais tentava tirar a vitória na
eleição para governador do Rio de Janeiro de Leonel Brizola, a emissora
aprontou. Depois de passar o ano mostrando dados que davam Haddad no fundo da
fila dos candidatos, a emissora cujo jornalismo era chefiado por Ali Kamel
simplesmente "engavetou", como se diz no jargão profissional, a
notícia que poderia estimular a militância do candidato. O público perdeu, Haddad
não reclamou e Kamel, com sua postura anti-jornalística, foi promovido.
Antes, na virada dos governos Lula para
Dilma, a revista Veja produziu uma pérola do mesmo quilate. É inesquecível a
capa caricata em que o então presidente se pendurava aos ponteiros de um grande
relógio para segurar o tempo. A revista dizia que ele não queria largar o
poder. Essa tese, no entanto, tem 100% de problemas. Os dois presidentes
anteriores a Lula não apenas tentaram, mas conseguiram ampliar e duplicar seus
mandatos. José Sarney, eleito para quatro anos, ficou cinco. Fernando Henrique
Cardoso, igualmente escolhido para exercer a Presidência da República por 48
meses, agiu de modo a extrair do Congresso o mecanismo da reeleição. Com
direito a permanecer no cargo, ele venceu a eleição para ficar quatro anos mais
no cargo. Não houve, em Veja, nenhuma capa com Sarney ou FHC mexendo no tempo
político, mas Lula, que não alterou nenhuma das regras estabelecidas, foi
pintado como o mais apegado ao poder. Jornalismo?
Numa das edições de seu Manual de Redação,
frequentemente revisado e atualizado, como uma Constituição repleta de adendos
e supressões, a Folha de S. Paulo se define como "um jornal feito em São Paulo com irradiação
nacional, que se propõe a realizar um jornalismo crítico, apartidário e
pluralista". Em recente mudança estrutural, no entanto, a publicação da
família Frias desinvestiu na redação, cortando postos de repórteres e editores,
para colocar no lugar colunistas e comentaristas. Não há, entre eles, no
entanto, quem se disponha, ainda que vez ou outra, a destacar fatos que fujam
da tônica da crítica ao governo e à política econômica e social. Como se diz
entre o público, se você é daqueles que acha que o mundo vai acabar, leia a Folha.
As más notícias e interpretações negativas estão ali.
Nesta semana, uma das principais
articulistas da Folha cravou que o governo faria, de emergência, uma reunião
para evitar, às pressas, um iminente apagão no setor elétrico. A versão, porém,
não durou 24 horas, derrubada pela divulgação da agenda do Ministério das Minas
e Energia, que previa uma reunião regular em torno do sistema elétrico. Na
diferença entre emergencial e normal, lá se foi mais um dia em que desmentidos
tiveram de ser feitos por autoridades e agentes do setor privado. A projeção de
apagão, dizem os técnicos, é hoje muito mais uma expressão dos cálculos de
alguns profissionais da imprensa do que um risco verdadeiro. Quando o apagão de
fato ocorreu, durante o segundo governo de Fernando Henrique, doze anos atrás,
a notícia pegou a todos de surpresa, inclusive a jornalista Eliane Cantanhêde. Será
que a apuração avançou, retrocedeu ou a coluna foi mais um caso de Ativismo?
Nesta quarta-feira 9, o jornal O Estado de
S. Paulo dá uma chamada 'barriga' difícil de ser justificada. Em manchete, a
publicação da família Mesquita informou que o ex-presidente Lula passaria a
ser, a partir daquele momento, investigado formalmente pelo Ministério Público
Federal, a pedido do procurador-geral da República Roberto Gurgel. Nesse nível,
a notícia poderia ter chegado ao jornal por uma fonte do MPF ou por uma fonte
da Procuradoria, mas acompanhada de algum tipo de prova, como um comunicado
formal pelo início do procedimento. O que aconteceu, no entanto, foi um
desmentido formal, com todas as letras, feito pelo próprio procurador Gurgel. A
pressa, que certamente ocorreu neste caso, dentro da redação do Estadão, é,
sim, um elemento do jornalismo. Ela leva a erros, um risco atinente ao
Jornalismo. Normal. No caso, entretanto, a manchete pareceu exprimir muito mais
uma vontade da direção do jornalão do que a saudável impetuosidade de ser o
primeiro a dar um furo.
O ano de 2013 começou sob o signo do
Ativismo na mídia tradicional. Para comemorar o resultado do julgamento da Ação
Penal 470, a
revista Veja publicou em sua capa uma chuva de fogos de artifícios. Sobre outro
caso que igualmente galvanizou atenções em 2012, aquele que mostrou as
perigosas e próximas ligações profissionais e pessoais entre um de seus
editores-chefes, Policarpo Jr., e o contraventor já condenado a prisão
Carlinhos Cachoeira, a publicação do Grupo Abril não escreveu uma linha sequer.
Quanto mais uma capa.
Na velha mídia, o que o público entende por
Jornalismo está ganhando, como se vê, novas feições. Assumir o Ativismo, antes de
ser uma confissão de culpa, poderia funcionar como uma ato de sinceridade. O
mundo está cheio de jornais partidários. O tablóide Gramma, por exemplo, é o
órgão oficial do Partido Comunista de Cuba. A missão declarada, ali, é noticiar
para o regime político da ilha de Fidel Castro. O New York Times, noutro
extremo, publica em toda véspera de eleições listas de candidatos que recomenda
a seus leitores. Assim como faz o Washington Post, na grande maioria das vezes
todas as recomendações são para democratas, e não para republicanos. No final
do ano passado, a prestigiada revista Economist recomendou à presidente Dilma a
demissão de seu ministro da Fazenda. Pode ter sido uma grosseria, mas foi
transparente. Também no Brasil, é claro, os veículos de comunicação têm todo o
direito a opinar, mas o correto é fazê-lo às claras, com todas as explicações
necessárias ao eleitor, e não com subterfúgios de editorialização e distorção
de notícias. Isso não é apenas Ativismo político disfarçado. É uma grande
baixaria editorial.”
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