Mário Augusto Jakobskind, Observatório daImprensa
‘O Centro Simon Wiesenthal, organização que
leva o nome de um célebre caçador de nazistas, passou dos limites em matéria de
credibilidade ao divulgar uma lista de 10 pessoas e entidades consideradas mais
antissemitas do mundo. O terceiro da lista é o chargista brasileiro Carlos
Latuff.
Este centro e outros segmentos sionistas
misturam alhos com bugalhos ao acusarem de antissemita todos os que criticam as
ações de Israel contra os palestinos. Latuff é um militante dos movimentos
sociais e sempre manifestou solidariedade com a causa palestina.
Ser solidário com os palestinos e denunciar
a política extremista do governo israelense não significa antissemitismo, como
querem os defensores da política truculenta de Israel. Na verdade, o atual
sionismo se nutre do antissemitismo e, para este segmento, quem critica a
política de Israel é antissemita. O Centro Simon Wiesenthal segue essa lógica,
que deve ser combatida com todo o rigor, e ainda por cima promove a política de
Israel.
Crítico da truculência
Por essas e outras, as manifestações de solidariedade a Carlos Latuff vêm crescendo. O cineasta Silvio Tendler – que há poucos dias tinha sido obrigado a depor numa delegacia do Rio de Janeiro atendendo a uma intimação do presidente do Clube Militar, general da reserva Renato Cesar Tibau da Costa – conhecendo Latuff, ficou indignado com o posicionamento do Centro Simon Wiesenthal e escreveu uma carta solidarizando-se com ele. Várias pessoas, entre os quais Eduardo Galeano, Anita Leocádia Prestes, Emir Sader, entre outros, subscreveram a carta de solidariedade a Latuff escrita por Tendler.
Stella Calloni, conhecida jornalista argentina, quando informada da existência da carta que se transformou em abaixo-assinado, fez questão de dar seu apoio e lembrou que um grupo de argentinos – entre os quais o Prêmio Nobel da Paz, Adolfo Perez Esquivel – que haviam organizado uma manifestação em favor dos palestinos também ganharam a absurda acusação de antissemitas.
Stella Calloni não conhece pessoalmente Carlos Latuff, como boa parte dos signatários, mas disse que fazia questão de subscrever o texto porque tinha vivido a mesma experiência, apenas não sendo ainda citada pelo Centro Simon Wiesenthal.
Na verdade, Latuff não poderia ser antissemita até porque é de origem semita, do ramo libanês, e o fato de ser um crítico da truculência de sucessivos governos de Israel – sobretudo o atual, de Benyamin Netanyahu – não poderia ser motivo para ser difamado de forma absurda como foi.
Latuff apareceu numa lista junto com partidos de extrema direita da Ucrânia, Hungria, Grécia e até integrantes de uma torcida de um clube de futebol londrino. Entre os dez maiores antissemitas, na visão do Centro Wiesenthal, encontra-se também o presidente iraniano Mahmud Ahmadinejad, que tem recebido em várias oportunidades religiosos judeus iranianos críticos do sionismo, o que é pouco divulgado. Mas esta é outra história, que valeria ser aprofundada pelas editorias internacionais dos meios de comunicação brasileiros, que até agora foram incapazes disso, limitando-se a repetir declarações mal traduzidas (pelas agências internacionais de notícias) do próprio acusado, um crítico da política do Estado de Israel.
Apoios à carta
Como afirma Sílvio Tendler em sua carta de solidariedade a Latuff, “suas charges não são mais antissemitas que um artigo de Ury Avnery, Amira Haas ou de Gideon Levy, todos judeus, israelenses”.
Na verdade, a direita de Israel se tornou um grande foco de antissemitismo, e não os críticos da sua política expansionista e genocida. Esta é uma discussão que deveria também ocupar as páginas internacionais dos meios de comunicação, geralmente tão complacentes com as ações guerreiras do governo israelense.
E o que dizer do ex-chanceler Avigdor Lieberman, que acabou renunciando ao cargo ao ser acusado de ter protegido um empresário para evitar que sofresse as consequências de atos de corrupção? É também por isso que se deve entender a indignação de Sílvio Tendler e de seus seguidores no apoio ao cartunista Carlos Latuff. Sua carta de solidariedade acabou se transformando em abaixo-assinado que circula nas redes sociais.
Eis o texto:
Prezado Latuff:
Dia 19/12 fui depor na quinta delegacia a respeito de
uma acusação mentirosa de constrangimento ilegal por parte de um grupo de
militares sediciosos. No dia seguinte, você veio à minha casa hipotecar
solidariedade, me entrevistou e colocou no Youtube.
Conversamos muito, inclusive sobre sionismo, semitismo
etc. Te desafiei a irmos juntos a Israel e Palestina. Você me disse que não
conseguiria entrar e, se entrasse, não te deixariam sair. Duvidei.
Você, infelizmente, tem razão.
Um centro criado para caçar criminosos nazistas, que
perseguiram, mataram, deportaram, torturaram judeus durante a Segunda Guerra,
agora é utilizado, de forma equivocada, para embaralhar sionismo com semitismo.
Te consideraram como o terceiro maior antissemita da atualidade. Depois de você
vem um clube inglês que, num bairro judeu de Londres, louva Hitler e as câmaras
de gás; partidos efetivamente antissemitas na Grécia e na Ucrânia vêm depois do
nome de um cartunista que usa sua arte para defender suas ideias.
Antissionista, sim; antissemita, não. Até porque, de
descendência árabe, você também é semita e, afinal, somos todos igualmente
circuncisos. Tuas charges não são mais antissemitas que um artigo de Ury
Avnery, Amira Haas ou de Gideon Levy, todos judeus, israelenses.
O moldavo Lieberman, sim, é antissemita com o
comportamento racista que destila ódio entre árabes e judeus, habitantes
ancestrais de uma terra onde ele vive há pouco mais de dez anos.
Tua charge com Bibi espremendo uma árabe para tirar
votos dos eleitores israelenses reflete uma triste realidade.
Esse rabino que te colocou nessa lista não sabe do que
está falando.
Solidariamente, Silvio Tendler
***
[Mário Augusto Jakobskind é jornalista]
Comentários