A morte adiada do neoliberalismo tem um nome: poder político


Explode, enfim, a teoria neoliberal. Fracassou pela mesma razão evidente: os baixos salários deprimem a demanda, que deprime o emprego”

Márcia Denser, Congresso em Foco

Um artigo recente de George Montbiot no jornal inglês The Guardian nos chama atenção pelas questões que levanta. Ele se pergunta se o neoliberalismo estará mesmo acabado, uma vez que tem observado, atônito, as lições desaprendidas na Grã-Bretanha, Europa e EUA, o que o faz concluir que toda a estrutura do pensamento neoliberal seja uma fraude. As demandas dos ultra-ricos se travestiram de teoria econômica sofisticada e foram aplicadas independentemente de seu resultado. O completo fracasso desta experiência em escala mundial não impede que ela se repita. E isto não tem nada a ver com a economia. Tem a ver com o poder.

Ele observa que em 2012, as cem pessoas mais ricas do mundo enriqueceram 241.000 milhões de dólares a mais. Sua riqueza se estima agora em 1,9 trilhões de dólares – só um pouco menos que o PIB do Reino Unido.

Isto não é conseqüência dum acaso, porque o aumento das fortunas dos super-ricos é resultado direto de medidas políticas! Aqui vão algumas: 1) a redução das taxas de impostos e da ação fiscal; 2) a negativa dos Estados em recuperar uma porção dos ingressos procedentes dos minerais e da terra; 3) a privatização de ativos públicos e a criação de uma economia de cabines de pedágio; 4) a liberalização salarial e a destruição da negociação coletiva.

As medidas políticas que fizeram tão ricos os poderosos globais são aquelas que estão espremendo todos os demais. Não é isto o que a teoria previa. Friedrich Hayek, Milton Friedman e seus discípulos – em mil escolas de negócios, o FMI, o Banco Mundial, a OCDE e mais ou menos todos os governos modernos – argumentaram que quanto menos os Estados acionassem fiscalmente os ricos, menos defendessem os trabalhadores e redistribuíssem a riqueza, mais próspero seria todo o mundo. Pois toda tentativa de reduzir a desigualdade iria ferir a eficiência do mercado, impedindo que a maré ascendente elevasse todos os barcos.

Seus apóstolos levaram a cabo uma experiência global durante 30 anos e os resultados estão hoje à vista. É um fracasso total, salvo para poucos privilegiados.

George diz não acreditar que o crescimento econômico perpétuo seja sustentável ou desejável, mas se o objetivo é o crescimento – algo que todo governo diz perseguir –, não se pode organizar maior desatino no tocante a isso que liberando os super-ricos das restrições estabelecidas pela democracia.

O relatório anual do ano passado da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) deveria ter encomendado o atestado de óbito do modelo neoliberal desenvolvido por Hayek, Friedman e seus discípulos, pois mostra, inequivocamente, que suas políticas conseguiram resultados opostos aos que previam. Na medida em que essas políticas (cortar impostos aos ricos, privatizar ativos do Estado, desregular o mercado de trabalho, reduzir a seguridade social) começavam a dar dentadas dos anos 80 em diante, também passaram a cair as taxas de crescimento e a aumentar o desemprego.

O notável crescimento dos países ricos durante as décadas de 50, 60 e 70 só foi possível graças à destruição da riqueza e do poder da elite, como resultado da Depressão e da II Guerra Mundial. Sua escalada outorgou, aos 99% restante, uma oportunidade sem precedentes de exigir tudo o que tal crescimento estimulou em redistribuição, gasto público e seguridade social.

O neoliberalismo foi uma tentativa de inverter o sentido destas reformas. Generosamente financiado por milionários, seus defensores tiveram um êxito assustador na área política. Na econômica, fracassaram.

Em todos os países da OCDE, os impostos se fizeram mais regressivos: os ricos pagam menos, os pobres pagam mais. O resultado, sustentavam os neoliberais, seria que aumentariam a eficiência econômica e o investimento, enriquecendo a todos.

Ocorreu o contrário: enquanto diminuíam os impostos aos ricos e às empresas, caiu a capacidade de gasto, tanto do Estado como da população mais pobre, e se contraiu a demanda. O resultado foi que caíram as taxas de investimento, em sintonia com as expectativas de crescimento das empresas.

Os neoliberais insistiram também em que a desigualdade irrestrita em ingressos e os salários flexíveis reduziriam o desemprego. Mas em todo o mundo rico, tanto a desigualdade quanto o desemprego dispararam. O recente salto do desemprego na maioria dos países desenvolvidos – pior que o de qualquer recessão prévia das últimas três décadas – se viu precedido da cota em proporção dos salários no PIB mais baixa desde a II Guerra Mundial!

Explode enfim a teoria neoliberal. Fracassou pela mesma razão evidente: os baixos salários deprimem a demanda, que deprime o emprego. Conforme os salários estancavam, as pessoas os complementavam, endividando-se. O aumento da dívida alimentou os bancos desregulados, com as consequências que todos sabemos.

Quanto maior a desigualdade, diz o relatório das Nações Unidas, menos estável é a economia e mais reduzidas as taxas de crescimento. As medidas políticas com as quais os governos neoliberais tratam de reduzir seu déficit e estimular sua economia são contraproducentes.

A eminente redução no degrau superior do imposto sobre a renda no Reino Unido (de 50% para 45%) não somará para o Estado ou a empresa privada, apenas enriquecerá os especuladores que fizeram vir abaixo a economia: o Goldman Sachs e outros bancos estão agora pensando em como aproveitar-se disso!

A lei de bem-estar social aprovada pelo Parlamento britânico na semana passada não ajudará a limpar o déficit ou estimular o emprego: reduzirá a demanda, suprimindo a recuperação econômica. O mesmo vale para o teto posto às remunerações do setor público. “Voltar a aprender algumas antigas lições sobre justiça e participação”, afirma a ONU, “é a única forma de acabar superando a crise e prosseguir por um caminho de desenvolvimento econômico sustentável”.

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