A imprensa no escuro



Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa
 
“Há uma diferença fundamental entre os “apagões” de energia acontecidos na década passada e as oscilações ocorridas na rede no último trimestre: em 2001, o Brasil enfrentava as consequências da falta de investimentos em usinas e redes de distribuição; em 2013, o prolongamento do período de seca em algumas regiões obriga a colocar usinas térmicas em operação, o que pode reduzir os efeitos da política de redução de tarifas.

Com exceção do Nordeste, as chuvas estão voltando na maior parte do país, mas mesmo assim está mantido o programa de emergência e não há risco de faltar energia por deficiência de infraestrutura.

Evidentemente, cortes podem acontecer em qualquer lugar e a qualquer hora, em decorrência de falhas técnicas, por efeito de tempestades ou acidentes, como ocorre em todo o mundo. No entanto, estamos longe do cenário pessimista desenhado pelos jornais nas últimas semanas.

Essas são algumas das afirmações feitas reiteradamente, ao longo da quarta-feira (9/1), em entrevistas na televisão e no rádio, por especialistas e autoridades do setor, convocadas pela presidente da República para desfazer o clima de apreensão criado pela imprensa. O resumo das entrevistas é claro: o Brasil não corre o risco de racionamento, mas os brasileiros precisam aprender a usar racionalmente a energia.

No entanto, os principais jornais de circulação nacional amanheceram na quinta-feira (10/1) martelando na tecla da crise. O ponto de referência da imprensa é o ano de 2001, quando tivemos a série de cortes no fornecimento de energia, afetando a economia e provocando transtornos em quase todo o país. Naquela época, porém, o Brasil ainda não possuía o sistema emergencial das usinas térmicas, o sistema de transmissão não era totalmente integrado e as tecnologias de controle de fluxo eram menos confiáveis. Assim, mesmo com seus reservatórios cheios, as geradoras do Sul do Brasil não tinham como amenizar a situação criada pela seca no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste.

Todas as explicações oferecidas por autoridades, técnicos e representantes das empresas do setor parecem insuficientes para convencer os editores de que vivemos uma circunstância completamente diferente, com aumento de mais de 30% na demanda, mas com mais capacidade de geração e um sistema de distribuição mais integrado e eficiente.

Consumo consciente

Depois de insistir, nos últimos dias, na tese do apocalipse, o Estado de S.Paulo se vê obrigado a admitir a opinião de especialistas, segundo os quais o risco de racionamento é remoto. Mas segue colocando em dúvida a possibilidade de redução dos custos para empresas e residências ainda neste ano.

A Folha de S.Paulo esquece as profecias de racionamento e aborda a questão do preço da energia, observando que o governo deverá fazer um rateio do custo extra, representado pela eventual necessidade de manter as usinas térmicas em operação por um tempo prolongado, para assegurar o cumprimento da promessa de reduzir as tarifas.

O Globo mantém na primeira página o enunciado “risco de racionamento” e faz ironia, com a manchete: “Governo conta com térmicas e São Pedro”.

Há diferenças gritantes entre o colapso estrutural que se manifestou 2001 e o problema circunstancial de 2013. Em 1o de junho 2001, o governo federal foi obrigado a decretar o mais abrangente e rigoroso programa de racionamento de toda a história do país, para evitar que grande parte do território nacional ficasse no escuro.

As consequências da medida para a economia brasileira motivaram um grande número de pesquisas acadêmicas, e alguns estudiosos chegaram a calcular em 15% a queda da produção industrial no segundo semestre daquele ano, bem como um efeito arrasador no Produto Interno Bruto e na balança comercial. No entanto, ficaram sem grandes reflexões dois aspectos positivos da crise: a população brasileira foi apresentada ao conceito de uso consciente da energia e o governo seguinte foi alertado para a necessidade de corrigir os problemas estruturais do setor.

De fato, a obrigatoriedade de economizar 20% no consumo, imposta pelo racionamento, que se estendeu até setembro de 2002, estimulou a produção de equipamentos elétricos mais eficientes, e grande parte da população acabou entendendo seu papel na redução do consumo. Mas, na ocasião, foi fundamental o comportamento da imprensa, que poupou o quanto pôde o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e adotou galhardamente a campanha “sabendo usar, não vai faltar”, frase que ganhou espaço até mesmo nas revistas de decoração.

Mas eram outros tempos, outro partido no governo.”

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