Um filme que já vimos, mas cujo final ainda não sabemos


“O revés parcial sofrido pelo governo em sua tentativa de quebrar a espinha dorsal do grupo midiático mais poderoso da Argentina, pode ser lido como um segundo capítulo de outro conflito ocorrido no governo de Cristina Kirchner: “a guerra contra o campo” de 2008. Em ambas oportunidades uma iniciativa governamental enfrentou forte resistência por parte de conglomerados de poder. O artigo é de Mario Antonio Santucho.

Mario Antonio Santucho, revista Crisis / Carta Maior

O revés parcial sofrido ontem (7) pelo governo em sua tentativa de quebrar a espinha dorsal do grupo multimídia mais poderoso da Argentina, pode ser lido como um segundo capítulo de outro conflito chave acontecido durante o governo de Cristina Kirchner: “a guerra contra o campo” de 2008. Em ambas oportunidades uma iniciativa governamental enfrentou forte resistência por parte de conglomerados de poder bem assentados na trama social contemporânea que representam articulações conservadoras e estabelecem injustas hierarquias.

Ante o desafio, a liderança maior do kirchnerismo dobrou a aposta e aproveitou para polarizar a cena segundo seu gosto e estilo. Confiando ter a razão histórica de seu lado, dinamitou todo o cenário de negociação mais ou menos espúrio, e chamou para si (mais de uma vez também foi na direção contrária) a tarefa de subordinar seu inimigo circunstancial. Ao reagir desse modo deixou em segundo plano o pulso e o sentido da conflitividade que protagonizava, desviando assim a condução do processo.

O certo é que tanto os setores ligados à agroexportação (em 2008), como agora as principais cadeias midiáticas (refiro-me particularmente à aliança entre Clarín e La Nación) conseguiram torcer de maneira imprevisível a opinião pública e pressionaram de maneira eficaz as instituições para conseguir respectivos triunfos políticos, em ambos os casos agônicos e excepcionais.

Neste contexto, as discussões sobre a verdadeira intencionalidade de medidas como a Resolução 125 ou a Lei de Meios não parecem relevantes.

Enquanto que a justiça de um imposto extraordinário sobre a exportação de commodities, e a obrigação de desinvestimento que recai sobre as empresas dominantes do setor audiovisual são evidentes.

Ainda assim, o interessante de ler estes acontecimentos como partes de um mesmo padrão de conflitividade não é determinar que são os mocinhos e quem são os bandidos. Isso faz parte de um terreno de eleições éticas, onde os argumentos cada vez influem menos. O importante seria entender a natureza dos antagonismos sociais e políticos que vivemos, e a maneira pela qual as instituições se movimentam segundo interesses pouco democráticos, ou se acomodam a hegemonias voláteis.

À espera da próxima decisão da Corte e da evolução dessa novela judicial que nos mantém em suspense, conviria retomar os pontos fundantes daqueles debates que contém ao menos a promessa de uma democratização, hoje escondidos pela luta cega entre os dois grandões do bairro.”

Tradução: Katarina Peixoto

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