Cristina marca dia “7D” para derrotar El Clarín

É assim, em código, conta a correspondente de 247 em Buenos Aires, Aline Gatto Boueri, que o governo argentino enxerga a data de 7 de dezembro, o 7D, sexta-feira; trata-se do fim do prazo dado pela Corte Suprema do país para o grupo El Clarín enquadrar-se à nova Lei de Meios; ou abre mão de seu monópolio, ou a justiça será cumprida à força; Cristina sem medo de crise institucional; novos tempos, finalmente?


Aline Gatto Boueri, correspondente 247 em Buenos Aires _ Chegou a semana do "7D". É assim, em código, que o staff mais próximo à presidente Cristina Kirchner passou a chamar a próxima sexta-feira, 7 de dezembro. Trata-se do prazo final dado pela Corte Suprema do país para que o grupo de comunicação El Clarín, detentor do maior jornal do país e de um portentado de emissoras de televisão e rádio com mais de vinte concessões, abra mão de parte de seu monópolio. É assim que o governo da polêmica presidente vê a organização, e em torno do combate da lógica do monopólio construiu uma legislação, aprovada pelo Congresso e chancelada pelo órgão máximo da justiça argentina, que aponta para a ampliação da propriedade dos meios de comunicação.

O Clarín, a Sociedade Intermericana de Imprensa (SIP) e, em uníssono, toda a mídia tradicional do continente classificam a nova lei om expressões que vão de instrumento de censura a loucura ditatorial. Para outros, na verdade, o que há é apenas uma cópia atualizada de uma legislação feita na década de 1930, nos Estados Unidos, que combate a propriedade cruzada de meios de comunicação. Em outras palavras, quem tem jornal não pode ter rádio, quem tem rádio não pode ter canal de internet, quem tem canal de internet não pode ter jornal. Ou, ao menos, não muitas propriedades em todos esses e outros ramos da comunicação. Uma lei, como se vê, ruim para os que têm muito, e boa para os que têm pouco ou quase nada.


A Lei de Meios da Argentina não só abre o precedente em um cenário de concentração de meios, como o latino-americano, mas também é exemplar de como um governo que tem baixa cotação nas páginas dos grandes meios de comunicação – mas foi eleito no primeiro turno com 54% dos votos – pode promover a desconcentração de licenças sem (muito) medo de uma tentativa de golpe branco.

A disputa entre o governo argentino e os conglomerados midiáticos chegou esta semana a um momento decisivo. Até hoje, a lei aprovada em 2009 e regulamentada em 2010 não pode ser aplicada integralmente, o que é a grande promessa para o 7 de dezembro, o "7D" , como o governo de Cristina Fernández de Kirchner apelidou a data em que vence o prazo concedido Corte Suprema ao Grupo Clarín para que respeite a lei. O prazo foi dado ao Clarín por meio de liminar, mas todos os grupos usufruem da nova data "para que haja igualdade de condições", como afirmou Martín Sabatella, presidente da Autoridade de Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca) da Argentina.

"Até agora todos os grupos – menos um - demonstraram boa vontade em se adequar à lei", é o mantra que há semanas repete Sabatella. Hoje de manhã o presidente da Afsca divulgou os planos de adaptação à nova lei apresentados por 14 dos 21 grupos, entre os quais não estava aquele ao que a autoridade da Afsca se refere em seu mantra: o Clarín.  A quatro dias da data mítica, a queda de braço entre o governo argentino e o maior conglomerado de meios do país ainda não está definida.

Os grupos que apresentem uma estratégia de adequação até o dia 7 de dezembro devem esperar a aprovação da Afsca e, a partir de então, têm um ano para levar a cabo seu plano. Em caso de desconformidade, o órgão do governo fará recomendações que julgue necessárias e renegociará o plano.

O Grupo Clarín pediu na Justiça a prorrogação da medida cautelar e um novo prazo para a apresentação de um plano de adequação, com o argumento de "privação de justiça", já que até a tarde de hoje (03/12) não estavam definidos os nomes de quem julgaria a causa de inconstitucionalidade dos artigos 45 e 161 da Lei de Meios. O grupo alega que este artigos são inconstitucionais porque quebram contrato e ferem o direito à propriedade. Os artigos estabelecem, respectivamente,  o número máximo de licenças que um grupo pode ter e a obrigação de se desfazer das que excedem esse limite.
No entanto, Sabatella afirmou hoje que não vai esperar um pronunciamento da Justiça sobre a constitucionalidade dos artigos para aplicar a Lei de Meios Na prática, isso significa que se o Clarín não apresentar uma estratégia de desinvestimento "até a meia-noite de sexta-feira" (07/12), o governo abrirá licitação para redistribuir as licenças de menor valor do grupo.

O Judiciário do país está no centro do debate esta semana, já que dele depende o futuro do grupo Clarín e a credibilidade do governo em fazer cumprir uma lei que se transformou no maior carro de batalha do kirchnerismo desde 2008, quando o Clarín apoiou os ruralistas durante os debates legislativos para a aprovação de retenções às importações e deu início à batalha midiática com Cristina Fernández de Kirchner e seus aliados.

A tensão é tão grande que, em nome da liberdade de expressão, o Grupo Clarín iniciou um processo judicial contra jornalistas alinhados com o governo sob alegação de "incitação à violência coletiva." Entre eles estão Sandra Russo, que escreveu um livro sobre a presidente e é comentarista no programa sobre meios de comunicação "678", da TV Pública, e o narrador de futebol Javier Vicente, que afirmou que o futebol é "o melhor antídoto contra a cadeia de medo e desânimo, cuja data de vencimento é o 7 de dezembro." Diante da repercussão negativa de denunciar jornalistas por suas opiniões, o grupo voltou atrás na decisão de processá-los.

A briga na TV

A aplicação da lei de meios, que já tinha ganhado as mesas de boteco, as páginas de jornais e tempo televisivo, passou a estar ainda mais presente no cotidiano dos argentinos com spots publicitários de ambos lados, veiculados em horários nobres, como intervalos de futebol ou de programas com grande audiência.

Longe da timidez com que o Brasil trata a questão da mídia, entre uma declaração e outra, a batalha pela reforma no esquema de licenças da Argentina ganhou contornos de briga pessoal entre a presidente e os donos de meios de comunicação, apesar do histórico. A disputa pelo poder simbólico gerou uma imprensa polarizada – com raras exceções, quase sempre de meios independentes e alternativos – na qual se está com o governo ou com o Clarín.

A TV Pública argentina, que deu um salto em audiência com a "nacionalização" das emissões de jogos de futebol – que antes eram privilégio de quem pagava TV a cabo e comprava cada jogo à parte – se transformou na grande plataforma de propaganda oficial. Os programas sobre política são escancaradamente partidários da presidente e tratam apenas os assuntos que não incomodam o governo, esquivando sempre que possível temas como a exploração de minério a céu aberto ou a violência contra povos indígenas pela demarcação de terras no interior do país.

Há duas semanas o canal lançou um documentário em série que vai ao ar aos sábados à noite chamado "Clarín, uma invenção argentina" e expõe todas as contradições da história que qualquer meio de comunicação que dure mais de meio século pode ter.

O Grupo Clarín não deixa barato. O canal 13, com uma das maiores audiências do país e propriedade do grupo desde 1989, emite aos domingos à noite, em hora do Fantástico, o programa do contraditório jornalista Jorge Lanata, que se dedica a ridicularizar a presidente, seus filhos, seus amigos, sua base aliada e a própria TV Pública. Curiosamente, Lanata apoiava a Lei de Meios quando foi aprovada em 2009, e em seu programa no Canal 26, do Grupo Telecentro, não economizava críticas à concentração de meios nas mãos de poucos donos. Lanata também foi o fundador do hoje governista jornal Página/12.

Ontem, em seu monólogo dominical, Lanata distribuiu farpas, inclusive a Máximo Kirchner, filho de Cristina e Néstor. Entre acusações pela compra de uma casa milhonária em uma localidade da província de Buenos Aires, Lanata destilou seu veneno "Está chegando o 7D e o 15D (dia em que o Tribunal Internacional sobre Direito do Mar deve se pronunciar sobre a fragata embargada à Argentina em Ghana por fundos de investimento a quem o país deve dinheiro depois do default de 2001), mas Máximo está preocupado com outubro de 2013, quando lançam a nova Playstation."

Outra herança maldita da briga entre os meios de comunicação governistas e de oposição é a péssima mania de transformar qualquer data em número seguido de letra.”

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