“Ex-presidente publica artigo em que revela
sua impotência diante das vitórias sucessivas do PT, de Lula e Dilma; confessa
tristeza com quase tudo, menos com a mídia "que fala e exerce seu
papel" e com o Ministério Público, que começou a "agir responsavelmente";
numa pontinha de esperança, ele diz que "não há mal que dure para
sempre"; FHC entregou os pontos?
Fernando
Henrique Cardoso está triste. Melancólico e também revoltado com sua impotência
diante das sucessivas vitórias eleitorais do PT, de Lula e Dilma. A seu lado,
aponta a mídia, que "fala e exerce seu papel", mas não com a força
suficiente para mudar os rumos do País. Seu artigo deste domingo em alguns
grandes jornais do País é quase um abandono da luta. Seu consolo é dizer que
"não há mal que dure para sempre". Leia:
Melancolia e revolta
Fernando Henrique Cardoso
Não
sou propenso a queixas nem a desânimos. Entretanto, ao pensar sobre o que dizer
nesta crônica senti certa melancolia. Escrever outra vez sobre o mensalão e
sobre o papel seminal do STF? Já tudo se sabe e foi dito. Entrar no novo
escândalo, o do gabinete da Presidência em São Paulo? Não faz meu estilo, não tenho gosto
por garimpar malfeitos e jogar mais pedras em quem, nesta matéria, já se
desmoralizou bastante.
Tentei
mudar de foco indo para o econômico. Mas, de que vale repetir críticas aos
equívocos da política petrolífera, que começaram com a redefinição das normas
para a exploração do pré-sal. As novas regras criaram um sistema de partilha
que se apresentou como inspirado no modelo norueguês – no qual os resultados da
riqueza petrolífera ficam em um fundo soberano, longe dos gastos locais, para
assegurar bem-estar às gerações futuras – quando na verdade se assemelha ao
modelo adotado em países com regimes autoritários. Até aqui o novo modelo gerou
apenas atrasos, custos excessivos e estagnação, além de uma briga inglória (e
injusta para com os estados produtores) a respeito de royalties que ainda não
existem e que, quando existirem, serão uma torneira aberta para gastos
correntes e pressões inflacionárias.
A
contenção do preço da gasolina já se tornou rotina, mesmo que afete a rentabilidade
da Petrobras e desorganize a produção de etanol. O objetivo é segurar a
inflação por artifícios e garantir a satisfação dos usuários. Calo sobre os
efeitos da redução continuada do IPI para veículos e do combustível
artificialmente barato. Os prefeitos que cuidem de aumentar ruas e avenidas
para dar cabida a tanto bem-estar...
E
que dizer da tentativa de cortar o custo da energia elétrica que teve como
resultado imediato a perda de valor das ações das empresas? E essa agora de
altos funcionários desdizerem o anunciado e, sem qualquer segurança sobre como
será ajustado o valor do patrimônio das empresas, provocarem súbitas altas nas
ações? O pior é que ninguém será responsável por eventuais ganhos de
especulação advindos da falta de compostura verbal.
Valerá
a pena insistir em que o trem-bala é um desvario na atual conjuntura, pois
terminará sendo pago pelos contribuintes, como estão sendo pagas as usinas mal
licitadas? Para construção destas, só acorrem empresas estatais financiadas
pelo BNDES com dinheiro transferido do Tesouro, quer dizer, seu, meu, nosso. E
as rodovias e os aeroportos? E assim por diante.
Olhando
em retrocesso, nos anos da grande ilusão lá pelos finais de 1970 e meados dos
1980, os “projetos-impacto”, como a Transamazônica, a Ferrovia do Aço e outros
tantos, feitos a partir de decisões tecnocráticas nos gabinetes ministeriais,
nos estarreciam. Clamávamos também contra indícios de corrupção. Não poderíamos
imaginar que depois das greves de São Bernardo e das Diretas Já, as mesmas distorções
seriam praticadas por alguns que então as combatiam. Criticava-se tanto o
nepotismo e o compadrio, a falta de profissionalismo na administração e de
transparência nas decisões e imaginava-se com tanta fé que o Congresso livre
daria cobro aos desmandos, que é difícil esconder a desilusão. As proezas de
cinismo e leniência praticadas por alguns dos personagens que apareciam como
heróis-salvadores são chocantes. Dá lástima ver hoje uns e outros confundidos
na coorte de dúbios personagens que alegam nada saber dos malfeitos.
O
que entristece, porém, não é só a conduta de algumas pessoas. É o silêncio das
instituições democráticas. A mídia fala e cumpre seu papel. Cumpre-o tão bem
que é confundida pelos que sustentam os malfeitos como se fosse ela e não a
polícia quem descobre os desatinos ou como se servisse à oposição interessada
em desgastar o governo. Recentemente, algumas instituições de estado começaram
a agir responsavelmente: o Ministério Público pouco a pouco perdeu o ranço
ideológico para se concentrar no que lhe é devido, a defesa da lei em nome da
sociedade. Os tribunais, especialmente depois de o Conselho Nacional de Justiça
ser organizado, começam a sacudir a poeira e a julgar, dando-lhes igual o réu
ser potentado ou pobretão. Mas o Congresso e os partidos estão longe de
corresponder aos anseios dos que escrevemos a Constituição de 1988.
O
Congresso, que na Carta de 1988, por sua inspiração inicial parlamentarista,
ficou com responsabilidades enormes de fiscalização, prefere calar e se submeter
docilmente ao Executivo. Voltamos aos tempos da República Velha, com eleições a
bico de pena e as Comissões de Verificação dos Poderes, que cassavam os
oposicionistas. Só que agora somos “modernos”: não se frauda o voto, se
asseguram maiorias pelos balcões ministeriais ricos em contratos e por emendas
parlamentares distorcidas. Com maiorias de 80% parece até injusto pedir que a
oposição atue. Como?
De
qualquer maneira, é preciso bradar e mostrar indignação e revolta, ainda que
pouco se consiga de prático. Não há bem que sempre dure nem mal que não acabe. Chegará
o momento, como chegou nos anos 1980, em que, com toda a aparência de poder, o
sistema fará água. Entre as centenas, talvez milhares de pessoas que se
beneficiam da máquina do poder e os milhões de pessoas “emergentes” ávidos por
melhorar sua condição de vida por este Brasil afora, há espaço para novas
pregações. Novas ilusões? Quem sabe. Mas sem elas, é a rotina do já visto, das
malfeitorias e dos “não sei, não vi, não me comprometo”.
Comentários
Precisamos pedir a Dilma a desoneração da produção ou importação de cera para ele passar em sua cara-de-pau.
Léia Amarantes