O juiz Brian
Leveson ao apresentarrelatório: defesa
de um órgãoautorregulador respaldado por
lei de imprensa
AFP
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Depois de meses de investigação e pesquisa, a Comissão Leveson
sugeriu a criação de um novo órgão independente para regular a imprensa
britânica, após o escândalo das escutas ilegais praticadas por jornais do
magnata australiano Rupert Murdoch. O juiz Brian Leveson, responsável pelo
relatório, destacou que não é dever do governo ou do Parlamento regular o
setor, mas que a Comissão de Queixas sobre a Imprensa (PCC, na sigla em inglês)
fracassou em seu papel e que o sistema deve ser alterado. Ele defendeu uma
forma mais severa de regulação, respaldada por uma lei de imprensa. As
propostas causaram divergência dentro do governo britânico. O primeiro-ministro
David Cameron apoiou boa parte das conclusões do relatório, mas se mostrou
cauteloso diante da criação de novas leis. Seu vice, Nick Clegg, por sua vez vê
na mudança da lei a única forma de garantir a independência do novo órgão regulador.
Essa lei atribuiria ao governo o dever legal de proteger a liberdade
de imprensa, além de reconhecer o novo órgão independente regulador e dar
benefícios aos meios de comunicação. Uma forma mais rigorosa de regulamentação,
apoiada pela nova legislação, elevaria os padrões da imprensa e protegeria o
direito de possíveis vítimas de jornais e tabloides, explicou Leveson.
- A imprensa é vital, mas isso não significa que ela não possa ser
contestada - disse Leveson. - Precisamos de mudanças.
O órgão regulador proposto por Leveson seria independente tanto da
indústria quanto do governo; não incluiria editores atualmente em atividade; e
a maioria de seus membros não teria envolvimento com a imprensa. Ele teria
poder para multar jornais no valor de até um milhão de libras.
O relatório criticou ainda a ligação entre a imprensa e políticos. Para
a comissão, a relação entre figuras públicas e jornais deve ser mais aberta e
transparente.
Ao discursar no Parlamento logo após a apresentação do relatório, o
primeiro-ministro David Cameron disse apoiar os princípios reguladores
apresentados pela Comissão Leveson, mas afirmou não ver necessidade na criação
de uma lei específica para a imprensa.
- Deveríamos ser cautelosos com qualquer lei que tenha potencial
para afetar a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Não estou
convencido de que um estatuto seja necessário para alcançar os objetivos de
Lorde Leveson - disse Cameron.
O relatório foi recebido com divergências no Parlamento, sem
consenso entre os deputados sobre quais e quantas recomendações devem ser
aceitas. O líder do Partido Trabalhista, Ed Miliband, fez um apelo para que o
governo aprove todos os pontos do inquérito.
Analistas acreditam que a proposta possa causar divergências entre
Cameron e sua coalizão de governo. O vice-premier britânico, Nick Clegg, fez um
discurso separado no Parlamento britânico sobre a divulgação do relatório
Leveson, nesta quinta-feira. O ato é um sinal de que a coalizão do governo não
conseguiu chegar a um consenso sobre o inquérito das escutas ilegais.
Clegg disse concordar com "muito" do que o premier e o
opositor Miliband pensam sobre o relatório Leveson. Para o vice-premier, os
partidos devem trabalhar juntos para estabelecer uma agenda clara e rápida. Segundo
Clegg, dois princípios fundamentais estão em jogo: a proteção de inocentes e a
liberdade de expressão.
- Uma imprensa livre não significa uma imprensa que pode intimidar
inocentes e fazer famílias sofrerem - disse o político.
Clegg ainda admitiu ter pensado muito sobre o uso de uma lei da
imprensa e, como um liberal, contou ter ressalvas quanto sua aplicação. O
vice-premier afirmou, no entanto, que sempre se disse favorável ao relatório
desde que suas recomendações fossem viáveis. Para ele, não há melhor solução do
que a proposta de Leveson.
- Mudar a lei é a única forma de garantir que a nova regulação da
impresa será independente de verdade - disse Nick Clegg.
Segundo fontes citadas por jornais britânicos, Cameron e seu vice
concordaram em alguns aspectos do relatório, divulgado às 11h30m (horário de
Brasília). A resposta do governo deve se concentrar na reforma da regulação da
imprensa, mas a falta de consenso em alguns aspectos do relatório mostra um
racha significativo dentro da coalizão. É a primeira vez que os dois fazem
discursos separados sobre um mesmo tema no Parlamento.
A legislação do Reino Unido contra abusos da imprensa é uma das mais
duras do Ocidente. Hoje, o controle é realizado pelo PCC, formada pelos
próprios órgãos de comunicação. Mas o sistema é considerado ineficaz, e 79% dos
britânicos defendem a criação de uma entidade independente de regulação,
segundo uma pesquisa da YouGov - o que indica o peso que a decisão do premier
sobre o assunto terá. Essa deve ser a proposta do inquérito Leveson, aberto a
pedido de Cameron, há 16 meses, para investigar as escutas ilegais.”
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