Mauro SantayanaMauro Santayana
“Alguns juizes do STF – felizmente nem
todos eles - estão vivendo dias de soberbo deslumbramento, com a condenação dos
réus da Ação 470. Sentem-se os senhores da República. Para tal, não se
ativeram apenas à letra dos códigos, à jurisprudência conhecida, ou ao saber da
experiência feito. Diante do clamor de comentaristas de alguns
jornais e emissoras de televisão, decidiram que decepariam a cabeça
de alguns acusados de corromper membros do poder legislativo. O objetivo, segundo
a denúncia do MP, seria o da aprovação de medidas consideradas necessárias à
governabilidade. Dosadas as penas, conforme a linguagem que usaram, os
intransigentes defensores da moralidade pública flutuam - sobre as alvas e
brandas nuvens da popularidade.
Um dos alvos preferenciais dos justiceiros
foi o ex-chefe da Casa Civil do governo Lula, José Dirceu. Não nos alinhamos ao
maniqueísmo ideológico, e, portanto, não vemos em Dirceu o esquerdista
incendiário do passado, mas tampouco o grande estadista dos últimos anos. Quando
de sua cassação, lembramos que fizera desafetos, por não ter atuado com a
necessária cortesia política, mais exigida ainda quando lhe cabia negociar com
o parlamento, em nome do Chefe de Governo. Até mesmo os ministros ditatoriais,
quando civis, atuam com essa atenção. Delfim Neto ficava em seu gabinete
até a madrugada, a fim de dar uma palavra amável a todos os que aguardassem ser
chamados. Mas esse comportamento, incomum a alguém que nasceu em Minas, foi
punido com exagerado rigor com a decisão de seus pares.
Ativeram-se, os que o condenaram a mais de
11 anos de prisão, a uma doutrina absolutamente alheia ao processo: a teoria do
domínio do fato. Essa teoria, por mais interessante possa ser, não faz parte de
nossos códigos, nem da tradição de nossos pensadores do Direito. Ela, embora
tenha nascido na Idade Média, associada a razões teológicas, foi reavivada em
Nuremberg, para punir os chefes nazistas. Atualizada há poucos anos pelo
jurista alemão Claus Roxin, serviu para punir,
entre outros, o general Videla, na
Argentina, e Fujimori, no Peru.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, Roxin
foi claro, ao afirmar que o seu pensamento não foi devidamente assimilado pelos
juízes do STF: para estabelecer o “domínio do fato” é necessário mais do que a
presunção do julgador. É preciso que haja provas incontestáveis de que a ordem
para a execução dos delitos apontados tenha realmente partido do réu – como as
houve no caso dos dois ditadores latinoamericanos. Enfim, falta o “ato de
ofício” – ausência que socorreu Collor, mas não José Dirceu.
A “neutralidade” ativa dos que o condenaram
– e condenaram outros na mesma situação – está sendo glorificada por parte da
opinião publicada. Até que a História trate devidamente do assunto.”
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