Folha sugere que Dilma se afaste de Lula; para Merval, é tarde demais

Veículos de comunicação começam a sugerir as próximas etapas da oposição ao PT. Em editorial, a Folha de S. Paulo, de Otávio Frias, diz que Dilma terá vento a favor se conseguir se desvencilhar de Lula; Merval Pereira, colunista do Globo, diz que isso talvez não seja mais possível; aposta é na ruptura


Um novo escândalo, o da Operação Porto Seguro, "emborrasca o velho PT de Lula e Dirceu", diz a Folha, em editorial, sugerindo ainda que a presidente mostre firmeza e se desvencilhe rapidamente do caso, ganhando vento a favor. A aposta, portanto, é na divisão entre velho e novo PT. Para o colunista Merval Pereira, do Globo, essa separação talvez não seja mais possível. Estaria ocorrendo tarde demais.

Leia, abaixo, editorial da Folha:

Porto inseguro
PT de Lula e Dirceu sofre novo revés com operação da Polícia Federal; Dilma busca ganhar pontos com a exoneração rápida de vários envolvidos

O pior da tormenta parecia superado pelo PT. O julgamento do mensalão se encaminhava para um anticlímax, após as pesadas penas de prisão para alguns líderes seus já em marcha para o ostracismo.

Mesmo no auge, o processo no Supremo Tribunal Federal sobre desvio de dinheiro público para insuflar a base parlamentar do primeiro governo Lula afetou pouco o desempenho eleitoral do partido.

O PT colheu bom resultado nos pleitos municipais, dadas as circunstâncias, com a vitória em São Paulo. A popularidade da presidente Dilma Rousseff não se abalou.

A Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, no entanto, veio varrer as expectativas de calmaria. Revelou uma rede de venda de pareceres sob encomenda que operava a partir do escritório da Presidência da República em São Paulo.

Mais que o surgimento na investigação de assíduos frequentadores desse gênero de noticiário, como o deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP, ontem condenado pelo STF a mais de sete anos de prisão) e o ex-senador Gilberto Miranda (PMDB-AM), a operação pôs na berlinda dois nomes bem menos conhecidos -e bem mais prejudiciais para a bonança petista: Rosemary Novoa de Noronha e José Weber Holanda Alves.

A primeira tem estreita ligação com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a instalou na representação paulistana da Presidência, e com o protagonista do mensalão, José Dirceu, para o qual trabalhou por vários anos.
Dos serviços de secretaria ela saltou para a condição de czarina do escritório, de onde articulou até a nomeação de diretores de agências reguladoras como a ANA (águas) e a Anac (aviação civil).

Tal proximidade não contribui para tornar aceitável a versão fantasiosa de que o condenado Dirceu foi vítima de perseguição política e de que o mensalão foi uma farsa, os motes da delirante proposta de levar as massas às ruas contra a decisão do STF.

Tampouco ajuda Lula. O ex-presidente nunca aposentou o apetite pelo poder nem a disposição de candidato (se depender do marqueteiro João Santana, a governador de São Paulo em 2014).

Dilma Rousseff mais uma vez se livrou sem hesitação de companheiros locupletados, ainda que no terceiro escalão. A nova espadana derrubou José Weber Holanda Alves, braço direito do advogado-geral da União herdado de Lula, Luís Inácio Adams, o qual vê fazerem água suas chances de chegar à Casa Civil ou ao STF.

O mensalão e mais este escândalo emborrascam o velho PT de Lula e Dirceu, mas para Dilma podem trazer mais vento na popa. Basta-lhe exibir firmeza no timão.

E também a coluna de Merval Pereira, no Globo:


O GLOBO - 27/11 

A presidente Dilma fica em situação muito delicada toda vez que acontece um caso de corrupção no seu governo. Toma a decisão de demitir os envolvidos, passa a ideia ao grande público, por informações de anônimos assessores, de que não tem nada a ver com aquilo, que as pessoas foram nomeadas a pedido de Lula, a quem não poderia deixar de atender, mas que não tolera corrupção e, quando descobre, coloca fora do governo o acusado. 

Isso dá a ela uma boa margem de manobra, especialmente diante da classe média que está conquistando com decisões aparentemente independentes. E creio mesmo que o próprio ex-presidente Lula aceita essa situação avaliando os ganhos políticos que ela traz para a presidente. A questão é até quando ela conseguirá permanecer nessa posição, tirando todo o proveito da proximidade de Lula e, ao mesmo tempo, vendendo imagem de autonomia em relação a ele. 

Já não está sendo possível aceitar que tudo de ruim que acontece seja culpa do antecessor, mesmo que ela não explicite essa acusação, apenas a insinue. E negue oficialmente quando, a exemplo do ex-presidente Fernando Henrique, tentam explicar os fracassos de seu governo com suposta “herança maldita”. 

Afinal, Dilma já está na segunda metade de seu governo, foi a responsável pela nomeação de todos os ministros que já demitiu por suspeita de corrupção — e, por sinal, nada aconteceu a nenhum deles em termos concretos — e até mesmo essa chefe do gabinete da Presidência em SP, Rosemary Noronha, foi nomeada por Dilma quando era chefe da Casa Civil, e mantida no cargo a pedido de Lula. 

Sabe-se agora que o gabinete da Presidência em SP era um segundo escritório de Lula, fora do Instituto Cidadania, e por isso mesmo ele teve inusitada agitação este ano, com inúmeras reuniões de Dilma e Lula. 

Até que ponto a presidente tem condições de autonomia em relação a um pedido de Lula? Até que ponto seu governo tem mecanismos para detectar desvios como os que dominaram vários ministérios no início de seu governo e agora dominam o gabinete presidencial e o segundo nome da Advocacia Geral da União? 

Está ficando cada vez mais próximo o momento em que não será mais possível isentar Dilma de erros que sucessivamente acontecem. Fica a cada dia mais difícil para ela se isentar de “malfeitos”após estar no governo mais de dois anos. As andanças da ex-ministra Erenice Guerra em órgãos oficiais e a proteção ao ministro Fernando Pimentel, a ponto de alterar o Conselho de Ética da Presidência, apontam para leniência com amigos. 

Sempre que precisa, ou é exigido dela, dar demonstração de lealdade, ela dá. Desde fazer cara de enfado na posse de Joaquim Barbosa no STF até entrar de corpo e alma na campanha municipal, que afirmara que não faria. Foi a todos os palanques que Lula via como estratégicos, articulou a candidatura de Patrus Ananias em BH e foi às raias da grosseria quando achou que precisava marcar posição, caso da disputa em Salvador, quando acabou ajudando ACM Neto ao fazer insinuações sobre sua estatura. 

Não creio que dê para ela ficar em cima do muro muito tempo mais; é difícil se desvincular, como é difícil Lula se desvincular do mensalão, ou do escândalo mais recente com pessoa muito ligada a ele envolvida. Dizer pela enésima vez que foi “esfaqueado pelas costas”, então, se torna patético.

Nenhum dos escândalos que estouraram foi detectado pelos órgãos de investigação, todos foram decorrência de denúncias da grande imprensa ou delação premiada. Mais uma vez a Presidência como instituição se vê envolvida em escândalos, gerados a partir de funcionários de confiança, nesse caso escolhidos com requintes que mostram intenção de nomear determinadas pessoas para os cargos determinados. 

O diretor da Agência Nacional de Águas, Paulo Vieira, teve padrinhos poderosos: Rosemary convenceu Lula e o ex-ministro José Dirceu, com quem trabalhara por 12 anos, a bancá-lo. Foi rejeitado duas vezes pelo Senado, mas o Planalto insistiu e uma manobra o aprovou. O então ministro Carlos Minc (PT) disse que sabia- se que o indicado “navegava em águas turvas”. O segundo homem da AGU foi nomeado por insistência de Luis Inácio Adams, candidato de Lula ao STF. São coincidências demais. Uma maneira de demonstrar real disposição de combater a corrupção seria passar um pente-fino nas nomeações para cargos estratégicos.”

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